Jesus e a direita

Domingos Sávio Calixto

Há quem diga que as categorias políticas rotuladas como “direita” e “esquerda” tenham origem na própria batalha celestial, quando as legiões de Miguel ficaram à direita do Eterno, e os rebeldes (caídos) à esquerda. Também há quem diga que tudo se firmou no debate entre girondinos e jacobinos na revolução francesa, em face da posição destes grupos em seus respectivos assentos nas assembleias revolucionárias.

Todavia, a tese central envolvendo tais categorias envolve a percepção de “igualdade social”.  Assim, para os discursos de “direita” não existe tal igualdade, sendo aceito e natural que a sociedade produza desigualdades. Nesse sentido a quebra das desigualdades está vinculada à meritocracia de cada um e essa regra deve ser conservada. A direita é, portanto, conservadora.

Por outro lado, os discursos da “esquerda”, centrados no ideal de igualdade, entendem que as desigualdades não são naturais e que são produzidas por uma sociedade injusta, cabendo então buscar o incessante progresso desta sociedade e de suas estruturas em prol da diminuição das desigualdades reais e em busca de uma igualdade ideal. A esquerda é, portanto, progressista

Assim exposto, eis que alguns religiosos, sacerdotes e pastores (principalmente estes últimos) fazem constantes críticas ao pensamento da “esquerda”, inclusive se referindo aos ideais progressistas mediante o uso – bem pejorativo – do termo “esquerdopatas”. Chegam até mesmo a defender a ideia de que Jesus era de “direita”.

Trata-se, evidentemente, de um silogismo muito fácil de ser quebrado.

Primeiramente há que se considerar – na época de Cristo – a estrutura do judaísmo que não estabelecia distinção alguma entre política e religião, ou mesmo econômica. Os termos de Deus se constituíam nas únicas proposições válidas e os operadores religiosos eram também as autoridades políticas e econômicas – basta considerar que a própria morte de Jesus teve um caráter eminentemente político, acusado de um levante revolucionário para tomar o reino de Israel.

Dentro dessa falsa premissa encontraram um homem carismático que, embora vindo do campo, trazia consigo uma palavra de mudança, aliás uma mudança cósmica pautada em existências bidimensionais: o mundo de César e o mundo de Deus.

Ora, o ponto chave da perseguição, prisão e extermínio de Jesus não foi apenas religioso, mas fundamentalmente político-econômico e está ligado ao (segundo) Templo de Jerusalém – cuja construção teria começado no ano 19 a. C e terminado em 64 d. C., um “presente” de Herodes aos judeus. Quando Jesus foi morto, a monumental obra ainda estava em andamento.

O templo foi o cerne do conflito. Além de centro religioso de Israel, imponente, simbólico das elites, sustentava-se à base de impostos, de contribuições e, mais que tudo, funcionava como um banco com altas quantias ali depositadas e negociadas. Não foi um simples local com bancas de mercadores. Muito pelo contrário, era o coração econômico das riquezas de Israel. Era por isso que até o supremo tribunal da nação judaica – Sinédrio – funcionava lá, ou seja, era o Estado do Templo (a Judeia)

Tudo se tolerou em Jesus até o momento em que ele se insurgiu contra a estrutura do Templo. Daí em diante foi o próprio Sinédrio que colocou em prática sua própria versão do “direito penal do inimigo” – ou “lawfare” – contra Jesus, deixando a execução e morte por conta dos romanos. A pena de morte era prerrogativa romana.

Portanto, querer ligar os ensinamentos e atitudes de Jesus Cristo a uma ideologia de “direita” é um contrassenso não só bíblico, mas também histórica, e uma idiossincrasia de quem ignora sua natureza revolucionária em favor do reino dos humildes, jamais em favor da ganância econômica.

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