Irresponsabilidade de sempre

Na música “Relicário”, composta por Nando Reis, o autor diz que “o mundo está ao contrário e ninguém reparou”. A canção – que hoje faz muito sucesso e rendeu um Grammy Latino, na categoria de Melhor Álbum de Rock Brasileiro, pela interpretação de Cássia Eller, em 2001 – nos faz um alerta: será que o mundo já estava ao contrário e ninguém tinha reparado? Será que estava ao contrário e ninguém notou? Ninguém falou nada? É, ao que tudo indica, sim! O mundo já estava ao contrário há muito tempo e, como ninguém reparou, chegamos ao caos coletivo. Um exemplo foi constatado ontem.  Agentes de saúde retiraram 500 quilos de lixo de um apartamento na movimentada avenida 7 de Setembro, no bairro Afonso Pena – isso para quem acha que essas situações ocorrem apenas em bairros mais distantes do Centro. As fotos são chocantes. A moradora da residência é uma acumuladora e resistiu quando os agentes de saúde chegaram para limpar o local. O principal objetivo da ação era eliminar os possíveis criadouros do mosquito Aedes aegypti, uma vez que se está no período de chuva, quando recipientes acumulam água, e o mosquito transmissor da dengue, zika e chikungunya bota seus ovos.

E o pior: nem mesmo com o mandado judicial em mãos, a moradora permitiu a entrada dos agentes. Foi necessário acionar a Polícia Militar (PM), para que os funcionários da Prefeitura pudessem fazer o seu serviço. A resistência a levou à delegacia. Mas por que o mundo está ao contrário e ninguém reparou? Pelo simples fato de que ações como essas não são novidade. Elas não começaram agora. Muitos antes de Cássia Eller lançar seu último álbum, quando cantou a música “Relicário” ao lado de Nando Reis, o mundo já estava ao contrário. Entra ano, sai ano e nós temos os mesmos problemas. A população não dá conta de limpar o seu quintal. De tirar 10 minutos de seu dia e eliminar os focos do mosquito Aedes aegypti, e, a cada ano, o número de casos de dengue, zika e chikungunya aumentam.

Entra ano, sai ano e os governos Federal, Estadual e Municipal fazem as mesas campanhas: “Limpe o seu quintal”, “Limpe o seu lote”, “Elimine água acumulada”, “Limpe a calha da sua casa”, “Limpe a Caixa D’Água da Sua Casa”. Todo ano a mesma coisa. Mas a consequência de tamanha irresponsabilidade não é tão sentida agora. Ela é sentida só em março, abril, quando os casos das doenças começam a ser registrados, e os hospitais, tanto os particulares quanto os públicos, começam a ficar com filas e mais filas. Isso sem falar nas mortes. Essa parte é a mais triste, pois vidas inocentes são tiradas de suas famílias pela falta de responsabilidade da população. Talvez, quem sabe, se alguém tivesse reparado que o mundo estava ao contrário há muito tempo, não estaríamos aqui falando de um assunto que já é um velho conhecido do povo. Talvez, se tivéssemos reparado antes, hoje o Papai Noel não precisaria percorrer as ruas da cidade para conscientizar sobre a dengue, e estaria apenas focado no seu trabalho de fazer as crianças felizes.

Tomara que agora alguém tenha reparado que o mundo está ao contrário e comece a fazer diferente, para que, daqui a 50 anos, não estejamos falando sobre os mesmos assuntos, que são comentados desde o século passado.

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