Infeliz ano velho!

Raimundo Bechelaine

Eis que chega ao fim este, que é certamente o ano mais extraordinário, fora da ordem e de qualquer previsibilidade, em nossas vidas. Assim ficará tristemente lembrado. Como o ano que nos trouxe acontecimentos tão inesperados que mente nenhuma, a não ser a dos deuses, poderia imaginar ou prever. Ano que não deixará saudades, a não ser o vazio imenso daqueles milhares que a peste nos levou. Ao contrário, deixará lembranças de doença e morte, de temor, sofrimento e lágrimas. 

Mas também nos deixará ensinamentos, conclusões e lições. Daí, que é necessário estarmos atentos e refletir agudamente sobre os fatos e as circunstâncias. Nem tudo se perde. É possível aprender também com os desastres. 

Primeiramente, fica a evidência da nossa humana condição de total  fragilidade. Foram pegos de surpresa todos os sistemas de vigilância, governo, ciência e segurança que a humanidade criou. Revelaram-se falhos e frágeis, impotentes para evitar o cataclisma. Mostraram o quanto são relativos.   

Escandalosamente evidentes ficaram também as desigualdades entre os países e entre as classes sociais. A concentração da riqueza e do capital, nas mãos das grandes potências mundiais, dos conglomerados financeiros e das altas classes sociais, produziu mais uma vez seus efeitos nefastos. Estudos e estatísticas mostrarão onde a pandemia fez seus maiores efeitos.

Em que pese tudo isto, observa-se igualmente uma outra diferença, também evidente. Onde há lideranças políticas dotadas de competência e sensatez pelo menos razoáveis, capazes de coordenar os esforços e ações dos vários setores envolvidos, houve mais sucesso nas medidas de proteção e assistência às populações.

Sob este aspecto, os Estados Unidos do Norte e o Brasil chamam as atenções pelo fracasso. São os dois campeões no número de mortes. Seus presidentes são incapazes de liderar e coordenar. Enquanto o mal se alastra, dedicam-se a dizer sandices. Impossível não nos lembrarmos de Nero, o imperador louco que cantava, enquanto Roma era destruída por um incêndio. O país mais rico e avançado em tecnologia de todo o mundo não foi capaz de proteger e assistir, de modo eficaz, sua população. O Brasil chega às duzentas mil mortes e outras milhares virão. Sem dúvida, muitos milhares delas são mortes culposas. Porque poderiam ser evitadas, se tivéssemos um governo responsável e capaz de cumprir o seu papel.

Enfim, termina um ano trágico e, infelizmente, nada garante que o seguinte será melhor. Sobretudo para este país, que já foi "abençoado por Deus e bonito por natureza". Pois janeiro abre-se ainda sob o signo da angústia e da incerteza. Nem podemos mais cantar que "em fevereiro tem carnaval". Em todo caso, não custa manter a esperança. Desejemo-nos um ano menos infeliz. [email protected]

Comentários