Geraldo Passos fala à CPI dos Áudios

Jornalista nega oferta de cargo a ex-aliado do governo a mando de Galileu e garante sigilo de fonte

Ricardo Welbert 

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aberta na Câmara de Divinópolis para apurar indícios de ilegalidades em gravações telefônicas ouviu ontem o jornalista Geraldo Passos, editor do blog “Divinews”. Antes dele, anteontem, o prefeito Galileu Machado (MDB) também foi ouvido.

A oitiva com Geraldo Passos ocorreu no plenário legislativo e durou uma hora e 40 minutos. Começou com a exibição dos áudios gravados e tornados públicos em abril pelo empreiteiro Marcelo Máximo, o Marreco, ex-aliado do governo. Nas gravações (ouça cada uma delas abaixo) o prefeito oferece a Marreco o cargo de coordenador de abastecimento alimentar na Secretaria de Desenvolvimento Agrônomo. Outros áudios deram a entender que o prefeito tomou tal decisão após uma indicação de Geraldo Passos. O jornalista nega.

Geraldo entregou aos vereadores cópias do registro da empresa de comunicação que ele tem e do próprio registro de jornalista. Segundo ele, isso foi necessário porque por algumas vezes teve o profissionalismo questionado publicamente pelo vereador Edson Sousa (MDB), um dos membros da comissão.

Renato Ferreira (PSDB) perguntou se Geraldo Passos já conhecia Marreco quando as ligações foram gravadas. Ele respondeu que sim, pois tinha Marreco entre suas fontes jornalísticas. Em seguida, Geraldo foi perguntado se atuou como jornalista ou como mero cidadão ao intermediar um diálogo entre o prefeito e Marreco.

— É difícil separar. O “Divinews” tem dez anos e eu atuo diretamente na cobertura da Câmara e da Prefeitura há sete anos.

Solidariedade 

Durante vários pontos da oitiva, o depoente afirmou que indicou Marreco ao cargo em solidariedade a ele, pois sabia que ele vinha passando por dificuldades.

Ao ser questionado sobre os motivos que o levaram a tentar convencer Marcelo Marreco de não usar a tribuna da Câmara para fazer denúncias contra o governo, o jornalista afirmou que queria apenas proteger Marreco, que, segundo ele, prejudicaria apenas a ele próprio.

Ao ser questionado sobre quem dos dois telefonou primeiro, Geraldo afirmou que recebeu ligação de Marreco, que questionava o conteúdo de uma postagem que o jornalista havia feito minutos antes no Facebook. Disse ainda que entregou uma cópia de áudio ao Ministério Público estadual ao prestar depoimento sobre o caso ao órgão.

Geraldo também foi cobrado sobre o fato de ter ido à casa de Marreco com a secretária municipal Administração, Orçamento e Informação, Raquel de Oliveira Freitas, e o secretário de Governo, Roberto Antônio Ribeiro Chaves.

— Eu só chamei a Raquel. O objetivo era apenas mostrar ao Marreco que havia uma intenção de acalmá-lo, porque ele estava com problema de saúde. Meu maior erro foi querer ajudá-lo — disse Geraldo. 

Decreto 

A forma como a minuta assinada por Galileu chegou às mãos de Marcelo Marreco por meio de Geraldo Passos também foi tema de várias perguntas. Em todas elas Geraldo Passos afirmou que recebeu uma imagem do documento por WhatsApp, por meio de uma fonte que ele não quis revelar – direito de sigilo garantido a jornalistas pela Constituição Federal. No dia seguinte a esse recebimento, garante, encaminhou o conteúdo a Marreco.

Raimundo Nonato (PDT) lembrou que o prefeito Galileu, em depoimento à CPI anteontem, confirmou que a assinatura no documento é a dele, mas que não sabe quem fotografou a página e a enviou a Geraldo.

— Isso vai ter que virar objeto investigativo pela Polícia Civil, para sabermos quem enviou — disse o vereador.

— Isso é questão interna do governo. Eles que resolvam — rebateu Geraldo, preservando novamente o sigilo de sua fonte.

Expressões

Questionado sobre a afirmação de que “político só entende a linguagem da porrada”, que fez em uma das conversas gravadas por Marreco, Geraldo disse ter usado o termo em sentido figurado.

— Foi uma fala infeliz. Algo que eu disse em sentido figurado, porque eu não sou dado a qualquer tipo de violência. Eu quis dizer da porrada política, que tanto a imprensa quanto os legisladores aqui presente frequentemente dão no governo. Dizer que isso não existe é hipocrisia — comentou.

Explicação parecida foi dada quando Geraldo foi questionado sobre o trecho em que ele diz a Marreco que membros do governo “cagaram nas calças” quando souberam que Marreco queria denunciar Galileu.

— Foi um diálogo informal, no qual eu disse essas palavras ao Marcelo apenas para passar confiança a ele. Eu quis me exibir. Mostrar um poder que eu não tenho. Mas o fato é que eu não consigo nomear e nem exonerar ninguém. Posso apenas sugerir nomes a pessoas que conheço nos governos e na empresa, mas não cabe a mim a decisão de contratar ou não. Eu não tenho a caneta — explicou.

O blogueiro também foi perguntado sobre a afirmação a Marcelo de que “são uns sacanas”.

— Era força de expressão para mostrar que sou o tal. Mas, não sou — respondeu.

— E quando o senhor disse que o Marcelo “vai arrasar com eles?” — perguntou Edson.

— Fui muito infeliz nisso. Usei demais a força de expressão.

— E quando o senhor diz que “tem que resolver já”?

— Força de expressão. Eu não tenho caneta para isso. 

Esposa 

Geraldo também foi questionado sobre o emprego da mulher dele, Sandra Passos, na gerência de Marketing da Prefeitura. 

— Parece piada [a pergunta]. Ela está lá por mérito. Seria hipocrisia dizer que o homem e a mulher não conversam sobre as coisas. Ela soube que havia a vaga na diretoria, marcou horário com o Galileu e foi à Prefeitura conversar com ele. O prefeito gostou do currículo dela e a contratou — afirmou.

Fausto Barros 

Citado sete vezes nos áudios apurados na CPI, Fausto Barros, ex-secretário especial de Governo, também foi tema no interrogatório de Geraldo. Renato Ferreira perguntou se os dois são amigos.  

— Não. Tenho matérias críticas a ele e ele não me liga. Ele nunca liga pra mim. Mas, não tenho rancor e nem raiva dele — pontuou.

Em outro ponto, Edson questionou a afirmação feita por Geraldo de que Fausto ligaria para Marreco.

— Isso foi apenas retórica. Eu não conversei com fausto. 

Embate 

A oitiva de Geraldo Passos também foi marcada por indiretas afiadas e trocas de farpas entre ele e Edson. Os dois brigam na Justiça por várias razões. Em alguns dos processos ainda em andamento o vereador acusa o blogueiro de difamá-lo. Em outros, o contrário.

Edson mencionou as desavenças antes de fazer a primeira pergunta. Disse que apesar do desafeto público existente entre os dois, faria as perguntas a Geraldo de forma isenta, “de peito aberto”, sem se deixar levar pela emoção.

Edson começou perguntando se Geraldo poderia entregar à CPI a cópia de áudio que disse ter entregado ao Ministério Público.

— Não. Porque entreguei a um órgão ministerial. Se considerarem importante, sugiro que façam essa solicitação ao MP — disse Geraldo.

Edson afirmou que apesar de essa recusa de Geraldo atrasar o andamento da investigação, pedirá a cópia ao órgão estadual.

— A gênese desta CPI é uma oferta de emprego. Então, qual ou quais outros empregos o senhor conseguiu? — perguntou Edson.

— Acho que a CPI não perpassa por isso. Penso que não contribui saberem onde indiquei pessoas, porque indicações acontecem todos os dias, em todos os níveis, tanto da esfera pública quanto da esfera privada. No governo Galileu não tem absolutamente ninguém indicado por mim — rebateu Geraldo.

Teologia moral 

Edson disse que os estudos de teologia moral traçam paralelos com o princípio constitucional da moralidade.

— Em entrevista ao jornalista Sílvio França, na rádio Minas, o senhor disse que pede desculpas a Deus — provocou Edson.

— Sim, porque falei palavras que não deveria ter falado dentro do que prezo em minha fé. Não é usual de minha parte o uso dos termos chulos que usei nessas gravações. Mas, somos humanos e, portanto, passíveis a sair do termo. Perdoo determinadas pessoas que saem do centro comigo, mas não abro mão de continuar meu jornalismo investigativo — respondeu Geraldo. 

Carinho no ar

Um trecho da oitiva arrancou risos tanto de parte do público quanto de alguns vereadores. Ao ser questionado por Edson sobre o uso da expressão “esfolei eles” em uma das gravações, Geraldo surpreendeu os vereadores.

— É bom olhar o senhor nos olhos. Agora temos a oportunidade de nos olharmos nos olhos. No passado, éramos muito amigos. Não sei onde perdemos esse elo — declarou.

— O senhor tem competência de me chamar de doido, louco, diagnosticar surto — disse Edson, referindo-se com ironia ao fato de Geraldo Passos ter escrito no “Divinews” que o vereador “surtou” ao se irritar com jornalistas durante uma coletiva de imprensa em dezembro do ano passado. Edson processou Geraldo pelo uso do verbo.

E o vereador continuou:

— O senhor falou no programa do Sílvio França que eu falei pro Evandro Araújo [diretor de Comunicação da Prefeitura] que eu pedi a abertura desta CPI por motivo pessoal, por estar chateado com o senhor por não me conceder homenagem do “Divinews”? Questionei o Evandro Araújo sobre isso e ele me disse que não lhe falou nada disso — disse Edson.

O presidente da CPI, Ademir Silva, interviu.

— Me desculpem por interromper, mas precisamos focar nos áudios — frisou.

Edson tentou justificar o desvio de foco dizendo que é esse é o jeito dele de perguntar.

— Entendo que seja seu jeito, vereador. Mas o conteúdo do que foi falado pelo Geraldo Passos no programa de rádio não é o conteúdo dos áudios aqui investigados. Portanto, se o depoente achar que essa pergunta não diz respeito aos áudios da CPI, ele pode se omitir de responder — disse Ademir.

— Então eu vou me omitir de responder — concluiu Geraldo. 

Forças ocultas 

Edson continuou:

— O senhor também disse no rádio que Marreco foi pressionado por “forças ocultas”. Quem são essas forças?

— Eu estava lá [na casa de Marreco] como jornalista. Não vou revelar situações que não digam respeito aos áudios — disse Geraldo.

O vereador insistiu:

— Talvez estejamos diante de um esquema muito pior. Que “forças ocultas” são essas, Geraldo?

— Não lembro.

— Alguém pediu sua intervenção? — perguntou Ademir a Geraldo.

— Não lembro. 

Rodízio 

Já perto do fim da oitiva, Renato Ferreira disse que outro depoente já disse que trabalha com um esquema de “rodízio de denúncias”. Isso teria afetado algumas obras na cidade. Quis saber, então, se Geraldo Passos tem contatos com outros denunciantes.

— Sim. E não os revelo — repetiu. 

Avaliações

Após a oitiva, o presidente da CPI falou ao Agora sobre os impactos das informações levantadas.

— Geraldo trouxe contribuições relevantes ao processo. Quem por exemplo, passou ao Marreco a minuta do decreto. Agora vamos nos reunir na para que possamos fazer um relatório inicial para darmos andamento à CPI — disse Ademir.

Geraldo Passos, por sua vez, afirmou que o desafeto de Edson Sousa por ele impactou na condução da oitiva.

— Eu acredito que impactou, haja vista que o número e o sentido de perguntas dele perpassaram o foco da CPI, que são os áudios. Ele foi por caminhos que não tinham nada a ver com o instrumento inicial da apuração dos áudios. Creio que isso possa estar conectado a algo pessoal. Espero que os demais membros não se contaminem com essa situação de ordem pessoal dele com o Geraldo Passos e sejam isentos e não façam pré-julgamento e que se faça justiça nesse aspecto — comentou o jornalista.

Edson nega perseguição pessoal.

— Não tenho desavença pessoal com nenhum ser humano. Então, não entendo essa colocação do Geraldo. Acho que isso é desespero dele. Ele está tentando desvirtuar os fatos. Hoje ele caiu em contradição várias vezes. Cada vez que ele vai para a imprensa, cai em contradição em relação aos áudios e aos fatos. Não tenho desavença pessoal com ninguém. O que eu debato como homem público são ideias e valores — finalizou o vereador. 

Próxima etapa 

Com a oitiva de Geraldo, a comissão encerrou as perguntas feitas individualmente. Ao longo das próximas semanas, ao analisarem os relatos obtidos, os vereadores decidirão se convocam ou não os investigados para acareações – confrontação de duas ou mais testemunhas, entre si ou com as partes ('litigantes'), cujos depoimentos anteriores não foram suficientemente esclarecedores.

Ouça os áudios

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