Filmes para streaming: ameaça ou solução?

Maria Tereza Oliveira

Que as plataformas de streaming modificaram a forma de consumação, isso não é novidade. A internet se transformou em uma ponte entre a arte e a população de grande parte do planeta. Livros, quadrinhos, músicas, vídeos, animes, séries e filmes se tornaram mais acessíveis com as plataformas que hoje lucram bilhões por todo mundo. Falando do audiovisual, os criadores de conteúdo para streaming são marginalizados desde seu nascimento. Exemplos estão em todos os cantos, como na forma pejorativa em que o termo "youtuber" era empregado. Agora é a vez de os tiktokers enfrentarem a resistência para serem aceitos. Mas o preconceito também atinge as grandes produções, mesmo quando grandes nomes da indústria da TV e do cinema estão associados.

Anos atrás, quando a Netflix deixou de ser apenas um catálogo com produções de outras empresas, e passou a produzir conteúdo original – principalmente quando era focada apenas em séries – , precisou trilhar um longo caminho para ser reconhecida. Embora tenha começado muito bem com o sucesso de público e crítica "House of Cards" (2013-2018), as produções originais tiveram de suar até conseguirem um lugar ao sol. Hoje, a plataforma é referência em produções e uma prova é que a Netflix lidera as indicações neste ano ao Emmy – que premia as melhores séries e minisséries. 

No cinema, no entanto, as produções do streaming, embora com avanços, continuam como alvos de narizes torcidos e são desmerecidas por muitos. Ainda focando na Netflix, que é a plataforma pioneira no segmento, o primeiro filme original é relativamente jovem. "Beasts of No Nation" (2016) é controverso dentro e fora das telas, mas ao menos foi o pontapé necessário para entusiasmar a empresa.

Oscar

Desde que começou a produção de filmes, embora nem todos sejam com o intuito de serem reconhecidos pela Academia, a Netflix parece ter o objetivo de ter produções vencedoras do Oscar. No entanto, a própria nomeação ao prêmio é até hoje muito controversa, já que são vários quesitos para que uma película possa ser indicada – incluindo a obrigatoriedade de ser exibida nas telonas.

Em 2019, no entanto, a empresa conseguiu o reconhecimento do Oscar, mesmo sem conquistar o principal prêmio daquele ano. O motivo do sucesso foi a obra de Alfonso Cuarón: "Roma" (2018). O longa recebeu dez indicações e ganhou três prêmios: Melhor Direção, Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Fotografia.

Neste ano, a empresa conseguiu ainda mais indicações, tendo diversas obras reconhecidas pela Academia, inclusive duas delas com tempero brasileiro. Embora tenha conseguido impressionantes 24 indicações, a Netflix levou para casa apenas dois prêmios: Melhor Atriz Coadjuvante, por "História de Um Casamento", e Melhor Documentário, por "Indústria Americana". Confira as indicações:

"Democracia em Vertigem": Melhor Documentário;

"Klaus": Melhor Animação;

"História de Um Casamento": Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Roteiro Original e Melhor Trilha Sonora;

"Dois Papas": Melhor Ator, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado;

"O Irlandês": Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (com duas indicações: Al Pacino e Joe Pesci), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino, Melhor Fotografia, Melhores Efeitos Visuais e Melhor Montagem;

"A vida em mim": Melhor Documentário de Curta-metragem;

"Indústria Americana": Melhor Documentário;

"Perdi Meu Corpo": Melhor Animação.

A 7ª arte nas telinhas

Até alguns anos, um "telefilme" era considerado uma obra menos importante, que não tinha tanta qualidade para chegar às telonas. Hoje, apesar de ainda serem alvo de críticas, as produções da TV e dos streamings muitas vezes superam a qualidade das obras feitas para as telonas. Isso porque o orçamento empregado nas produções não é mais tão distante dos lançamentos do cinema tradicional.

O próprio "O Irlandês" é fruto da nova forma de fazer cinema. Martin Scorsese recorreu à gigante dos streamings para lançar seu filme da maneira que queria, mesmo com um orçamento que não agradava estúdios como Paramount e a STX Entertainment.

O vencedor do Oscar, Bong Joon Ho, também já apostou no serviço de streaming para lançar "Okja" (2017) e, a cada dia, mais peças renomadas vão se entusiasmando com a produção de filmes para as telinhas. O longa, apesar de uma qualidade indiscutível, foi alvo de controvérsia, principalmente durante sua exibição em festivais. Em Cannes, por exemplo, apesar de ter sido indicado ao Palma de Ouro, também foi vaiado pelo público, devido à forma pela qual o filme seria lançado.

Salvação ou enterro?

Da mesma forma que os cineastas têm mudado de opinião em relação à produção da 7ª arte para telas menores, os cinéfilos também tem se tornado mais flexíveis à questão. E isso não se deve exclusivamente à qualidade das obras, afinal, se não fossem os serviços de streamings, qual seria a maneira segura e acessível para assistir novos filmes em meio à pandemia?

O coronavírus fez com que diversos filmes fossem adiados e alguns trocassem as telonas pelas telinhas, como foi o caso de "Mulan" (2020).

No entanto, enquanto há quem enxergue no streaming uma salvação, há quem bata o pé para seu lançamento nos cinemas. Christopher Nolan, por exemplo, depois de vários adiamentos, conseguiu estrear sua nova obra "Tenet" (2020) e até obteve, por enquanto, uma bilheteria razoável.

Todavia, ao passo que muitos se empolgam com a volta aos cinemas, há também parte do público que vê na atitude – de estrear no cinema, mesmo com a pandemia – um descaso com as vidas perdidas. Apesar disso, o ponto de Nolan e suas críticas à Netflix estão diretamente ligados aos lançamentos simultâneos entre cinema e streaming, que a empresa costuma fazer em seus filmes. Para o cineasta, a obra precisa ter seu tempo nas telonas garantido.

Seja qual for seu lado nesta questão, é  notável que a imersão da Netflix nos cinemas abriu um debate que parece longe do fim. Enquanto alguns acreditam que os streamings sejam a salvação para a 7ª arte, outros defendem que eles serão responsáveis por enterrar a experiência cinematográfica. E você? O que acha?

Maria Tereza Oliveira é jornalista e apaixonada por cinema

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