Faltam direitos, sobram deveres

Editorial 

O Brasil viveu mais uma semana tensa. Os jornais foram obrigados a noticiar aquilo que ninguém quer, o que parte o coração de qualquer ser humano: uma menina de 10 anos, grávida de cinco meses, e o pai do bebê era seu tio. Para tornar tudo ainda mais cruel, veio a informação de que ela era estuprada desde os sete anos de idade. Qualquer ser humano que tenha o mínimo de senso crítico, o mínimo de sentimento, se compadeceu da situação e teve repulsa à história. Mas, como se não bastasse a notícia dar náuseas, a situação ficou mais delicada no fim do último domingo, quando os dados da menina estuprada e o local onde ela faria o aborto foram divulgados. Religiosos conservadores tomaram conta da porta do hospital para protestar contra o aborto, autorizado pela Justiça. Mais uma vez, a polarização política tomou conta de uma situação que é mais comum do que muitos imaginam. 

O protesto “pró-vida” acendeu uma discussão que é antiga e divide a população tanto quanto a política. Até onde vai o direito da mulher sobre o seu corpo? Apesar de serem maioria no mundo inteiro, elas ainda são governadas por homens, que definem o que devem e o que não devem fazer. Sem a menor noção de suas dificuldades, do que passam dia a dia, os homens ainda são maioria nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e definem o que elas devem ser, fazer, e quais são os seus direitos. A situação da menina acendeu ainda um segundo alerta: faltam políticas públicas para as mulheres (de qualquer idade), direitos e, principalmente, representantes. Muito longe de se debater o “ser contra ou a favor do aborto”, ou até que ponto a religião deve interferir na vida de uma pessoa, a situação da criança do Espírito Santo escancarou para o país algo que é abafado constantemente: o direito da mulher. 

Embora exista uma política aqui, outra ali, uma lei aqui, outra acolá, as mulheres ainda estão muito longe de serem representadas e tratadas como devem. Apesar de ocuparem cada vez mais papéis de destaque na sociedade, elas ainda precisam lidar diariamente com o machismo, o medo, a falta de apoio e de direitos. A situação da menina, ainda uma criança, veio à tona três meses antes das eleições municipais e traz uma reflexão: é preciso mais mulheres legislando em prol das mulheres, defendendo seus direitos, criando novas políticas, afinal, só elas sabem o que é ter medo de andar à noite sozinha na rua, o que é ter medo de deixar um copo em cima de uma mesa na balada, o que é ter medo de ficar a sós com o chefe, de usar determinada roupa, de seus relacionamentos e, por fim, o que é ter medo de ser julgada. Porque é isso que elas são constantemente: julgadas e muitas vezes condenadas sem sequer ter o direito à defesa. 

Em tempos de eleição, nada melhor do que elas, que são a maioria do eleitorado divinopolitano, escolherem com calma seus representantes, pois faltam direitos, políticas e representatividade. E, talvez, homens não cumpram este papel como deve ser feito. Talvez eles defendam os seus direitos, e a elas sobra uma migalha aqui, outra acolá para não dizer que não fazem nada. Falta mulher votar em mulher, para de enxergá-la como inimiga, pois só elas poderão fazer e defender causas que contemplem todas.

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