Explique, dona Michelle!

Raimundo Bechelaine 

O país viu o ex-capitão que ocupa a Presidência da República conduzindo uma reunião ministerial. Quem tem um mínimo de educação e compostura envergonhou-se ante a cena. Domingo passado, um jornalista lhe fez uma pergunta e foi ameaçado pelo indivíduo, na sua linguagem de botequins de ponta de rua. A seguir, transcrevemos um artigo, “O tumor Bolsonaro”, da Folha de SP de anteontem. 

“No sábado, o editorial desta Folha trouxe o título “Jair Rousseff”. Refere-se ao desequilíbrio das contas públicas no governo da ex-presidente e à tentação do atual de fazer o mesmo. A fusão dos dois nomes é um ultraje à ex-presidente. O título chamativo não podia ter prevalecido sobre o bom senso ou o respeito à história de Dilma Rousseff. 

Na aprovação do impeachment na Câmara, Bolsonaro votou em homenagem ao torturador Brilhante Ulstra, algoz da ex-presidente na sua militância contra a ditadura. “O pavor de Dilma Rousseff”, tripudiou o então deputado. Bolsonaro deveria ter saído preso da Câmara naquele dia, por apologia à tortura, crime de lesa-humanidade. E, no entanto, aquele foi o ato inaugural de sua ascensão ao poder. Que fizeram as instituições? Câmara? Supremo? Ministério Público? Funcionaram “normalmente”. 

Mas a assimilação de Bolsonaro como algo natural pelas instituições começou muito antes. No fim dos anos 1980, o Superior Tribunal Militar ignorou as provas de que o então capitão participara de um plano para explodir bombas em quartéis e o absolveu. Foi a deixa para Bolsonaro iniciar carreira parlamentar tão longeva quanto medíocre, marcada por ofensas a mulheres, negros e homossexuais e pela defesa da tortura e da execução de “uns 30 mil”.

Sua atuação parlamentar foi tratada como rebotalho caricato e extemporâneo da ditadura. Conselho de Ética? Corregedoria? Ah, sim, as instituições funcionaram “normalmente”. E chegamos ao ponto em que milhões de eleitores identificaram nele o comando e síntese do autoritarismo brasileiro. As instituições, inclusive a imprensa, absorveram Bolsonaro como um corpo doente se acostuma a hospedar um tumor. Um dia, o tumor explode e mata o hospedeiro.

A propósito: “presidente Jair Bolsonaro, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?”.

Assim concluiu a jornalista Cristina Serra, autora do texto. Discordo dela em dois pontos. Primeiro, julgo que chamar de medíocre a carreira parlamentar do ex-capitão é um elogio excessivo. Segundo, entendo que o jornalista que perguntou e Cristina, que o repetiu, revelam-se machistas. Por que perguntar ao marido? As mulheres, hoje, são emancipadas, capazes de responder por si mesmas. Então, deve-se interrogar à primeira, digamos, dama.  [email protected]

Comentários