Estudantes criticam decisão da UFSJ pelo não retorno de aula laboratorial

Segundo eles, determinação prejudica ensino e tratamentos da população

Matheus Augusto

Estudantes e professores da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) ficaram decepcionados com a decisão do Conselho Superior da instituição de ensino em não autorizar o retorno às aulas laboratoriais do curso de medicina. Segundo defendem, essa retomada das atividades, seguindo rigorosamente protocolos de segurança já elaborados, é fundamental para o aprendizado dos graduandos e a oferta de atendimentos aos moradores de Divinópolis e região. Não apenas a negação, mas também o tratamento desrespeito é alvo de críticas.

Prejuízo

Segundo eles, determinação prejudica ensino e tratamentos da população

O Agora conversou com um dos envolvidos na discussão que, temendo  retaliações internas, optou por não se identificar. Ao longo da reportagem, ele será chamado de Paulo da Costa Nascimento. Sua posição dentro da universidade também não será exposta.

Paulo explica que as aulas laboratoriais contribuem, por exemplo, para o atendimento da população. Conforme determina o Projeto Pedagógico do Curso (PPC), o método de ensino é espiral, ou seja, um estudo híbrido entre teoria e prática. Assim, exemplifica, os alunos têm uma aula teórica pela manhã e, à tarde, vão ao laboratório para colocar as orientações em prática.

— Por exemplo, no primeiro período do curso temos aula teórica sobre aferição de pressão arterial de manhã, à tarde vamos para o laboratório treinar em manequins de simulação realística as técnicas corretas e, por fim, na mesma semana, vamos para UBS [Unidade Básica de Saúde] prestar atendimento à população aferindo pressão — destaca. 

Além do prejuízo à rede assistencial de saúde, a educação dos estudantes também é prejudicada.

— O curso de medicina é o curso com maior carga horária, mais de 7.200 horas. Destas, mais de 60% é distribuída em ensino prático: seja ele prático laboratorial, seja ele prático profissional — explica.

— O ensino prático profissional (atendimento nas UBS, hospitais da região, Centro de Especialidades Médicas) depende do ensino prático laboratorial ‒ treinamento nos manequins, nos cadáveres etc ‒ e, este último, depende do ensino teórico. Até o presente momento, só tivemos o ensino teórico referente ao período de 2020/1 via EaD [Ensino a Distância], não fizemos as práticas laboratoriais e, com isso, o curso fica impossibilitado de prestar assistência médica à população — acrescenta. 

Assim, a metodologia de ensino, com mescla de teoria e prática, é comprometida.

— Além do prejuízo assistencial à população, os alunos do curso de medicina sofrem com prejuízos na formação, pois ocorre uma quebra sem precedentes no método de ensino e na aprendizagem. Portanto, não sabemos o quanto isso pode repercutir na formação do médico egresso da UFSJ — afirma Nascimento.

Estagnados

Sobre a carga horária, Paulo relatou à reportagem o modelo atual de funcionamento. Conforme portaria nº 544 de 16 de julho de 2020 do Ministério da Educação (MEC), os cursos podem substituir as cargas horárias praticadas por método on-line, exceto medicina. 

— A portaria proíbe o curso de medicina substituir a carga horária prática por carga horária teórica on-line! É uma portaria que busca garantir a segurança da população, pois não existe treinar medicina de maneira remota. A tecnologia que o mundo dispõe não permite treinar, por exemplo, palpação do abdome de forma virtual — defende.

Com esta impossibilidade, os alunos não conseguem avançar, conforme relata. 

— Consequência disso tudo: as turmas do 1º ao 8º período estão paralisadas no período referente ao primeiro semestre de 2020/1, devido à inviabilidade do prosseguimento das turmas em decorrência da falta de aulas práticas laboratoriais. Já estamos indo para três períodos sem progressão de turmas e isso tem implicações no fluxo do SUS local. Portanto, a turma que estava no 6º período em 2020/1 ainda permanece no 6º período em 2021/1 — citou.

(Falta de) diálogo

Paulo também relata que o Departamento de Medicina vinha sofrendo “muitos  ataques nas redes sociais por parte de partes isoladas, porém importantes, da comunidade UFSJ”.

— Chamaram de movimentos antidemocráticos! Chegaram a atacar até a vice-reitora em uma postagem no Instagram, pois ela também é professora do curso de medicina UFSJ em Divinópolis. Distorceram dizendo que o Departamento de Medicina desejava o retorno presencial teórico e prático — comentou.

Segundo ele, as críticas não são justificáveis, tendo em vista a elaboração de um protocolo de segurança para garantir a segurança de todos.

— As fake news dentro de uma instituição pública e democrática assustaram muito a comunidade que assistia esse entrave. O Departamento de Medicina decidiu que iria apenas rebater apenas as informações falsas, e não as ofensas — explicou.

Alunos e professores do curso se uniram para dialogar com “as bases”, porém, o questionamento era sempre o mesmo: por que somente a medicina poderia retornar e nos demais cursos não?

— Antes de solicitarmos o retorno foi feita uma ampla pesquisa com os alunos e professores do Departamento de Medicina sobre a volta e mais de 90% dos alunos e quase que a totalidade dos professores, em especial os professores médicos, votaram favoráveis à volta do curso prático presencial nesse ERE II, o que comprova que foi uma mobilização democrática — destaca.

Suspensão

Em março de 2020, Divinópolis confirmava o primeiro caso do novo coronavírus. Diante do temor, a UFSJ suspendeu o calendário acadêmico. Em agosto, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Conep) da universidade determinou o início, no dia 14 de setembro, do Ensino Remoto Emergencial I, que vigorou até 4 de dezembro. Durante a reunião, ficou determinado o início da segunda fase em 25 de janeiro, com fim em meados de abril.

— Nesse sentido, o Departamento de Medicina da UFSJ ‒ que coordena os curso de medicina sediados em Divinópolis e em São João Del-Rei ‒, se organizou para que no ERE I fosse ministrado o conteúdo teórico relativo ao período de 2020/1, e que no ERE II fossem realizadas as práticas laboratoriais e profissionais relativas às teóricas ministradas no ano de 2020 — explicou a fonte.

Assim, o Departamento de Medicina enviou memorandos ao Conep solicitando a análise da viabilidade das aulas práticas para o curso de medicina. Um grupo de trabalho, composto por alunos, professores, técnicos administrativos e pró-reitora de ensino foi formado para elaborar uma proposta segura de retorno.

O plano

O grupo criou um protocolo de biossegurança para a volta das aulas práticas laboratoriais do 1º ao 8º período. O documento detalha, por exemplo, o funcionamento em rodízio das turmas, além das medidas de isolamento a serem tomadas caso um dos professores ou alunos apresentasse quadro sintomático da doença.

— O Conep analisou o resultado e votou que o retorno estaria autorizado, desde que não estivesse em contradição a uma resolução do Conselho Superior (Consu) da UFSJ, que falava que "apenas atividades essenciais seriam permitidas nos campus da UFSJ — contou Nascimento.

A proposta foi enviada ao Consu para votação se medicina seria considerada atividade essencial ou não, em votação no último dia 25. 

— Enquanto todos os outros cursos da UFSJ conseguiam progredir em seus currículos, a medicina UFSJ estava parada! — criticou a fonte.

Sobre a reunião do último dia 25, no Conselho Superior, Paulo relatou dificuldades de diálogo.

— Chegaram a justificar o voto não favorável porque os “alunos sairiam para festas”.

— Foi bem difícil para os alunos e professores ouvir uma justificativa dessas de um catedrático da UFSJ, em um contexto em que a universidade pública sofre tantos ataques e sucateamento. Argumentos como esse de um docente reforça argumentos de um governo que acusou universidades públicas de fazerem balbúrdia em vez de fazer ciência — pontuou.

Durante o encontro, relata, o protocolo de retorno seguro também foi colocado em xeque.  

— Chegaram a questionar os protocolos elaborados por um professor infectologista  da UFSJ e doutor em saúde pública, alegando que precisavam ouvir mais especialistas. No fim, não chegaram a um consenso e decidiram que era necessário uma outra reunião do Consu em dez dias e que o Grupo de Trabalho deveria refazer todo o estudo e melhorá-lo — detalhou Paulo.

Importância para o SUS

Para justificar a necessidade do retorno das aulas laboratoriais, ele cita a importância do curso para o Sistema Único de Saúde (SUS), em Divinópolis. Ao todo, são 948 atendimentos em postos de saúde, 120 pequenas cirurgias e 192 atendimentos em centros de especialidades médicas.

— O curso de medicina da UFSJ do 1º ao 8º períodos fornece em Divinópolis cerca de 1.260 atendimentos por mês, desde consultas na atenção básica até pequenas cirurgias. E, desde março, a população local não possui esses atendimentos! Além do coronavírus, a população continua sendo acometida pelas outras doenças que não deixaram de ocorrer — defende.

— O Centro de Especialidades Médicas (CEM) na avenida Getúlio Vargas funciona em sua plenitude por causa dos professores médicos especialistas da UFSJ. Sem alunos, não existem professores e, consequentemente, não há atendimentos para a população — acrescenta.

— C.S Afonso Pena, C.S Nossa Senhora das Graças, PSF Santos Dumont, C.S Central, C.S Bom Pastor, ESF Ermida, C.S Serra Verde, ESF CSU, C.S Niterói, C.S Belvedere, C.S. São José e C.S Sagrada Família são as unidades só em Divinópolis sem ou com atendimento reduzido devido à paralisação do curso de medicina — informa. 

— Sem contar as unidades das cidades de Pará de Minas, Piracema e Bom Despacho, que a medicina da UFSJ Divinópolis atende…

De acordo com ele, duas turmas já formaram; o 9° período, que atende em cirurgia geral no Complexo de Saúde São João de Deus (CSSJD) e em Pará de Minas, está vazio, “uma vez que a turma do 8º período está paralisada e impossibilitada de progredir, pois não realizou as práticas necessárias para progressão no curso”. 

— E consequentemente a população deixa de receber atendimentos...

Já o 12º período também não tem alunos, pois eles se formaram em dezembro e o internato de medicina da família e comunidade e o de urgência e emergência estão sem estudantes para atender pela UFSJ. 

— Principalmente no internato de medicina da família de comunidade, em que o aluno é praticamente quase um dos médicos da unidade de saúde que ele atende. E estamos falando da falta de quase 30 médicos atendendo a população — comentou.

O curso de medicina da UFSJ Campus Centro-Oeste, sediado em Divinópolis, possui 12 turmas por semestre com uma média de 30 alunos cada.

Por fim, Paulo volta a criticar a posição da universidade em impedir o retorno das aulas laboratoriais e suas consequências.

— E tudo isso por quê? Porque a medicina está impossibilitada de progredir nos períodos por causa das portarias do MEC e por falta de diálogo dentro da UFSJ — finaliza.

Resposta

Em nota, a assessoria de comuinicação respondeu que o Conselhor Universitário (Consu), instância superior de deliberação da UFSJ, "não decidiu pelo não retorno das atividades práticas formativas da Medicina".

— O tema continuará em debate na próxima reunião extraordinária do Consu, agendada para esta segunda, 8 de fevereiro, seguindo o rito democrático do debate aberto de uma pauta complexa que é de interesse de toda a comunidade acadêmica. E sem abrir mão do cuidado com a segurança e a preservação da vida, de nossos alunos, docentes e técnicos, o que vem norteando todas as decisões da UFSJ no que diz respeito aos protocolos de enfrentamento à covid-19 — informou.

 

Comentários