Estamos doentes

Editorial

A escritora e documentarista do jornal El País Eliane Brum fez em sua coluna publicada ontem uma análise muito interessante do Brasil. A escritora diz, em seu texto, que “adoecemos do Brasil”. Quem deleita da leitura do texto, muito bem escrito e pontuado, muitas vezes se assusta com os dados que ela traz, como o número de pessoas com depressão no país. Mas, uma das partes que chama mais atenção na coluna, é o replicamento de um post do psiquiatra Fernando Tenório, em que ele diz o seguinte: “Acabei de atender a um homem de 45 anos, negro, sem escolaridade. Nos últimos cinco anos, viu seus colegas de setor serem demitidos um a um e ele passou a acumular as funções de todos. Disse-me que nem reclamou por medo de ser o próximo da fila. Tem sintomas de esgotamento que descambam para ansiedade. Qual o diagnóstico para isso? Brasil. Adoeceu de Brasil. Se eu tivesse algum poder iria sugerir ao DSM (o manual de transtornos mentais da psiquiatria) esse novo diagnóstico. Adoecer de Brasil é a mais prevalente das doenças. Entrei agora na internet e vi que a reforma da Previdência corre para ser aprovada sem sustos. O povo, adoecido de Brasil, permanece inerte. Vai trabalhar sem direito à aposentadoria até morrer de Brasil”.

O desabafo do médico, além de real, é impactante. Fernando joga na cara dos brasileiros tudo aquilo que eles não querem ver. Adoecemos. Adoecemos de Brasil. Estamos doentes. O ódio corre pela nossa veia, escorre pela nossa pele e exala pelos nossos olhos. Segundo o psiquiatra, não há o momento certo onde tudo isso aconteceu, mas o palpite é que esteja ligado diretamente à economia brasileira, à política, às jornadas exaustivas de trabalho e, por último, à reforma trabalhista aprovada no governo de Michel Temer (MDB), em 2017. Adoecemos e não sabemos se há cura, se podemos ter esperança de sermos curados um dia. A insegurança, a ansiedade e a raiva nos consomem 24 horas por dia, sete dias da semana, 365 dias no ano.

Junte a tudo isso o fanatismo político. A paixão por pessoas que nos usam apenas como massa de manobra. Inclua ainda nesta mistura a paixão por partidos que sequer se preocupam com o nosso bem-estar, e são perversos com o brasileiro. Adoecemos de Brasil. Estamos intoxicados de todos os lados e de todas as formas. Tanto no sentido figurado quanto literal. Dividimos-nos. Construímos os tais muros invisíveis, que nos impedem sermos humanos, que nos impedem de amar, que nos impedem de ter empatia pelo próximo. A saúde mental nunca foi tão necessária quanto agora. Nunca foi tão desejada quanto agora. Nunca foi tão procurada quanto agora. Adoecemos por egoísmo, por paixão, por perversão, por não conseguirmos ser simplesmente: humanos. Não vivemos mais. Apenas existimos neste país que nos consome a cada minuto. Apenas existimos por uma paixão política que nos suga. Apenas existimos em prol de ideais que não são nossos.

Ao adoecermos, nos perdemos. Perdemos-nos de nós, dos nossos companheiros, da nossa família, dos nossos ideais e das nossas lutas. E, até que achemos o caminho, quem vai “nadar de braçada” nisso, são os políticos, que têm como único objetivo estar no poder.

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