Entrevista: juiz da Lava Jato fala sobre operação

Ricardo Welbert

Nascido em Parangaba, no Ceará, Francisco Eduardo Guimarães Farias é formado em direto pelo Centro Universitário de Brasília e em filosofia pela Pontifícia Universitária Católica de Belo Horizonte. Especializou-se em direito processual civil pela Faculdade Integrada do Oeste de Minas em Divinópolis e em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atuou como fiscal de tributação da prefeitura da capital mineira e também foi técnico judiciário e procurador federal. Atualmente juiz da 14ª Vara Federal do Rio Grande do Norte e de passagem por Divinópolis para participar de um evento familiar, esteve na redação do Agora na segunda-feira, 23. Entre outros temas, falou sobre as ações da operação Lava Jato que cabem a ele e o momento político do Brasil.

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Há dez dias o senhor esteve novamente no noticiário nacional como o juiz que concedeu liberdade provisória ao ex-ministro Henrique Eduardo Alves, que cumpria prisão domiciliar por ser réu no processo da operação “Manus”, onde constam denúncias de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Como embasou essa decisão? 
Henrique Alves e Eduardo Cunha tiveram prisões decretadas e cumpridas desde o ano passado. Responderam à ação penal mantidos na prisão. Cunha segue preso por outros mandados, decorrentes de outras ações, inclusive de condenação no Paraná. Alves eu mantive preso até dez dias atrás, quando Cunha recebeu um processo em que eu decretei a prisão dele. Ele recebeu uma liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, dando-lhe o direito de responder ao processo em liberdade. Por qual razão o ministro fez essa concessão da liberdade a Cunha? Pelo fato de o processo ter sido demorado. Começou no início no ano passado e, chegando a 2018, ainda estavam presos e respondendo a processos. Essa foi a alegação e o ministro acatou e por isso foi deferida a liberdade a Cunha. Alves está exatamente na mesa situação que Cunha. Preso no mesmo dia, por ordem minha, e mantido preso esse tempo todo. Então, pelo fato de o principal acusado ter a liberdade, o próprio Ministério Público veio opinar para que essa liberdade fosse estendida a Alves. Eu, como magistrado, não poderia fazer outra coisa.

A operação “Manus”, que aconteceu entre 2016 e 2017, apurou atos de corrupção ativa e passiva, além de lavagem de dinheiro envolvendo a construção da Arena das Dunas em Natal, no Rio Grande do Norte. O sobrepreço identificado chegou a R$ 77 milhões. A quantas andam os julgamentos das ações geradas por ela? 
O processo está bem adiantado, próximo da finalização. Eu deferi grande parte das provas requeridas pelos acusados e indeferi muitas outras. Eduardo Cunha indicou mais de 80 testemunhas e eu indeferi mais de 50. Henrique Alves indicou mais de 50 e indeferi outras tantas. Terminei ouvindo em torno de 50 a 60 testemunhas, ao todo. Aguardamos por algumas diligências tanto pelo Ministério Público quanto pelos acusados. Só depois poderemos seguir para as alegações finais das partes e as sentenças.

Em gravações divulgadas no ano passado, o senador Romero Jucá (PMDB) diz ao colega Renan Calheiros (PMDB) que seria necessário o impeachment da então Dilma Rousseff (PT) para "estancar a sangria", referindo-se às investigações da Lava Jato. Com o impeachment concretizado, o senhor acha que a "sangria" foi estancada?
Eu não posso dizer muito sobre isso. O que posso falar é dos processos que correm no Rio Grande do Norte. Os demais processos da Lava Jato eu não venho acompanhando e nem teria condições de fazê-lo. Mas percebo que têm rareado notícias a respeito dos fatos. O noticiário nacional tem diluído mais a atenção sobre outras operações e focalizado menos os processos da Lava Jato.

E as delações premiadas? 
A meu ver, elas têm refluído. Isso pode indicar uma tendência ao exaurimento ou talvez até a negação de alguns delitos atribuídos aos investigados nesses processos.

Os julgamentos de processos que resultam da Lava Jato têm alçado servidores públicos como o juiz Sérgio Moro, por exemplo, a uma condição de estrelato. Como o senhor avalia juiz sendo tratado como herói? 
Entendo que o magistrado tem a obrigação ética de manter uma conduta independente, proba e evitar exposição. Deve ser contido em relação a isso e não pode assumir papel de protagonista. Nenhum magistrado tem o direito de fazer do exercício do ofício palco para se apresentar à sociedade como herói. Isso não existe. Quem se iludir a esse ponto comete um erro muito grande e não contribui para a melhor justiça. Pelo contrário, contribui para vender uma ilusão. 

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