Entre o outono e a primavera

Leila Rodrigues

Ela conta os dias no calendário. Tem data marcada para tudo, agenda cheia, compromissos demais. E sempre sonha que a próxima primavera será tranquila.

Ela aprendeu todas as técnicas para ficar bem. Respirar, silenciar, meditar e conversar com o universo. Então chegou a segunda-feira e ela esqueceu tudo. O sono profundo se perdeu nas decisões que tinha que tomar e ela pulou cedo da cama para enfrentar a fauna toda, leões, mamutes, lobos e afins.

Decidida a fazer diferente, ela insistiu. Tentou o plano A, o plano B, o plano C e o alfabeto todo. Na prática, planos e intenções esbarram na dura realidade dos dias comuns. E o resultado é uma exaustão de responsabilidades onde não dá para saber quem venceu ou perdeu.

Ela sonhou para dois, mas sobrou sozinha na execução. Criou expectativas onde não existiam perspectivas. Ilusão. Foi quando descobriu que estava só. Doeu. Então chorou, juntou seus cacos, se escondeu atrás da roupa bem cortada e continuou andando. Cansada, enquanto caminha não percebe que vai deixando cair o encanto. E assim, cada dia mais desencantada, tenta reerguer algo que provavelmente já está morto.

Sua alegria de viver vem se perdendo na guerra diária dos dias comuns. Sem que ninguém perceba, seu brilho se apaga em prestações como as que ela paga todo mês. Fez mais que podia, fez mais que conseguia e acabou sentada no banco da praça esperando um trem que nunca passou.

Ela perdeu a vontade, perdeu a saudade e, perdeu junto, a esperança de que um dia as coisas sejam diferentes. Acomodou-se e vem aprendendo a ser feliz por nada. Se nada mudou à sua volta, ela mudou o jeito de olhar para as mesmas coisas, todos os dias.

Descobriu a companhia das flores, dos livros, dos bichos e das estrelas. Descobriu-se no silêncio e no escuro. Nunca mais se sentiu só. Nunca mais precisou de migalhas do amor alheio.

Loucura é saber que ninguém percebeu a grande metamorfose que ela viveu. Loucura é saber que ela encontrou a sua essência. Loucura é entender que, entre o outono e a primavera, cada um enfrenta seus invernos. São as nossas estações particulares, aquele tempo solitário e necessário para se chegar à estação das floradas.

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