Entre o garantismo e o punitivismo

Euler Antônio Vespúcio

A sociedade é alicerçada no cumprimento, por todos, da lei. Atualmente, o Brasil vive o dilema entre garantistas e punitivistas, no qual, para estes os acusados não têm direitos fundamentais e merecem apenas ser condenados.

O episódio mais recente é o referente à Lei Complementar 135, de 2010, chamada de Lei da Ficha Limpa, que alterou a Lei Complementar 64, de 1990.

No dia 19 do mês passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques, em decisão liminar, na ação impetrada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), suspendeu os efeitos da frase “após o cumprimento da pena”, constante da alínea -e-, do inciso I, do artigo 1, prevendo serem inelegíveis, para qualquer cargo “os que forem condenados, em decisão transitada em julgada ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena…”.

Essa decisão altera e diminui o tempo de um condenado ficar inelegível. Após a liminar, cumprido o prazo após a condenação pelo colegiado, a pessoa pode concorrer novamente. Essa decisão é aplicável apenas às decisões que não tiveram julgamento concluído pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na ação, o PDT alegou a inelegibilidade passar dos oito anos, devido à demora do processo no Poder Judiciário, sendo adiado o início do cumprimento da pena e, com isso, prolongar a inelegibilidade.

O ministro justificou a sua decisão por não concordar com o prazo indeterminado da punição e ser isso uma nova hipótese de inelegibilidade: “a probabilidade do direito invocado se evidencia pela circunstância de que a norma impugnada me parece estar a ensejar, na prática, a criação, de nova hipótese de inelegibilidade”.

Kassio Nunes Marques foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro e é considerado um garantista. 

Luís Roberto Barroso, em seu livro “Curso de Direito Constitucional”, apresenta a conceituação do garantismo como a tutela dos direitos fundamentais, valorando os direitos individuais, cujo desfrute por todos constitui a base da democracia.

As manifestações contra a decisão liminar, por sua vez, mostram ainda existir uma onda punitivista a apoiar ações como a da operação Lava Jato, na qual, em nome do combate à corrupção, cometeu-se desrespeito às regras processuais básicas e agravou-se o entendimento da lei para condenar e punir os culpados.

Em artigo publicado na Folha de São Paulo, no dia 1° de outubro último, intitulado “Cultura punitivista”, o ministro do STF Ricardo Lewandowski afirmou que o aparecimento de paladinos da lei, em atos punitivistas, fragilizou o contraditório e a ampla defesa, gerou prisões sem culpa formada e até confundiu as funções de investigar, acusar e julgar.

Neste sentido, a decisão do ministro Kassio Nunes Marques é justa ao garantir os direitos fundamentais e evitar a flexibilização de entendimentos a alargar a penalização de crimes.

Euler Vespúcio é economista e bancário aposentado 

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