Enquanto isso

Leila Rodrigues

Enquanto isso, eu passo um café, abro a janela e vejo a paisagem. Enquanto isso eu estudo, assisto, converso, participo, leio, aprendo, escrevo, levanto peso, caminho sem sair do lugar e saio com sensação de ter andado um pouco. 

Enquanto isso, eu sinto medo, sinto um frio por dentro. Sinto pelos que se foram, sinto pelos que irão amanhã e pode ser que eu seja um deles. Estamos todos na fila, nesta fila insana que ainda não sabemos onde vai dar! 

Enquanto isso, eu uso todas as formas possíveis e imagináveis de me aproximar das pessoas que eu amo. 

Enquanto isso, eu penso, repenso, dispenso e torno a pensar. Penso em tudo! Na vida, no ontem, na lagarta dentro do casulo, na poeira que sobe quando a gente abre gavetas antigas, na cortina que precisa ser lavada, nos meus pais lá longe, nos meus filhos aqui perto de mim, na pessoa que está internada, na pessoa que se foi... No ontem, no hoje e no amanhã. 

Enquanto isso, a vida pede socorro e choro sozinha a partida de pessoas queridas. Choro sem abraço. Ida sem despedida! 

Enquanto isso, eu faço a minha parte, ainda que o outro não faça a parte dele. E ainda que a minha parte seja ínfima, eu me orgulho em saber que muitos pensam da mesma forma, eu não estou só! 

Por mais que eu saiba que esses pensamentos todos não me levarão a lugar nenhum, encho meu instante presente deles para ajudar o tempo a passar. E ainda que eu não proclame nem reclame, tudo que eu quero é ver essa onda passar. 

Eu sonho com o amanhã saudável. Sonho com as pessoas se abraçando de novo. Sonho com um rio que corre água limpa e sei que isso representa fluidez. Fluidez, saúde, harmonia, produtividade e vida pulsante nas ruas da minha cidade. Então guardo meus sonhos na gaveta e espero a hora de a fluidez voltar.

Ainda que alguns não queiram, as circunstâncias dividirão nossas vidas em capítulos. E cabe a nós encerrá-los com dignidade e amor. Porque só o amor pode ser janela para o capítulo que se abrirá.

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