Depois da tempestade...

Cesar Vanucci

“Está certo tapar, com cimento e asfalto, todos os cursos

 d’água e outras dádivas da natureza existentes numa cidade?”

(Domingos Justino Pinto, educador)

Diz o ditado popular, inspirado com toda certeza por esse impulso heróico da alma chamado esperança, que depois da tempestade vem a bonança... Oxalá assim sempre “sesse”, como saborosamente enunciado no linguajar roceiro! Acontece, entretanto, que, depois de uma tempestade, de uma tormenta, de um chuvaréu como esse que, desapiedadamente, desabou sobre vasta região das Gerais, costuma vir, também, a desditosa tarefa de identificar e contar as vítimas inocentes e contabilizar os pesados danos.

A confiança que o ser humano carrega permanentemente, dentro da perspectiva de que situações melhores lhe estejam reservadas mais adiante, em sua trepidante caminhada, não o afasta da dor e sofrimento coletivos produzidos por tragédias próximas ou distantes ao seu olhar. Estamos, todos nós, na hora atual, muito comovidos. Solidários com as famílias e comunidades enlutadas.

Imaginamos, em singela maneira de avaliar as coisas do cotidiano, possuídos naturalmente de esperança, que existam recursos financeiros e tecnológicos mais que suficientes para proporcionar salvaguardas a patrícios nossos moradores das assim denominadas áreas de risco. Almejamos por providências derivadas da vontade política, da criatividade técnica e da sensibilidade comunitária que sejam capazes de garantir, a prazo rápido, projetos exequíveis, de sorte a impedir, na eventualidade de novo instante chuvoso fora dos padrões, a reprodução de tragédia como a que acaba de ocorrer.

O cidadão comum, obviamente desconhecedor dos critérios técnicos que orientam planejamentos urbanísticos e projetos de engenharia, encontra certa dificuldade em entender muitas ações administrativas governamentais. Entre elas, as que levam ao implacável represamento, em quase todas as cidades, de córregos, cursos d’água, outros referenciais da majestosa natureza, sem qualquer preocupação de avaliação prévia da conveniência de incorporá-los à paisagem em que são plantadas edificações e por onde circulam pessoas e veículos. Para um mundão de viventes, o problema das frequentes inundações em ruas, praças, bairros inteiros, em tempos chuvosos, é fruto indesejável de um afã equivocadamente modernoso de cobrir implacavelmente com cimento e asfalto quilométricos trechos por onde escoavam naturalmente cursos d’água brotados da dadivosa natureza. A impressão popular é de que as cidades seriam bem mais aprazíveis, caso tivessem sido contempladas, nos planejamentos urbanísticos, em diferentes circunstâncias, as possibilidades de aproveitamento, devidamente saneados, para desfrute, esses fluxos de d’água que hoje jorram nos subterrâneos das movimentadas vias de acesso de nossas metrópoles. A nota preta aplicada em represamentos, nem sempre necessários, teria sido empregada com maior utilidade na contenção de encostas perigosas nos morros mal providos de obras de infraestrutura.

As chuvas, que chegaram impetuosas, ceifando vidas e devastando patrimônios, suscitam ainda outras observações. Seja louvada a solidariedade popular, sempre exuberante mercê de Deus, que adicionou, em instante aflitivo para as famílias desabrigadas, preciosa ajuda ao socorro prestado pelo Governo às vítimas. Seja enfaticamente mencionada a atuação do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil. Seus integrantes deixam evidenciado, como sempre, alta perícia profissional no trabalho executado em situações críticas.

Da lista extensa de dramas pessoais que comoveram a comunidade e que permanecerão gravados na retina de todos nós, permitimo-nos relembrar, como amostras tocantes, dois episódios. O primeiro deles diz respeito àquela família inteira que havia sido convencida a deixar a residência e se alojar num abrigo improvisado. Não se sabe por quais insondáveis motivos, o pessoal resolveu, inopinadamente, retornar ao local que acabara de evacuar. O deslizamento de terra soterrou-os. No outro episódio, o marido eufórico transmitiu à esposa haver encontrado uma nova residência para a família morar. Instantes depois o barraco desabou. Só ele se salvou.

 

Os desígnios superiores são mesmo imperscrutáveis.

 

Cesar Vanucci é  jornalista e presidente da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais ([email protected])

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