Dedos podres

Preto no Branco 

Se não fosse no Brasil, onde as leis são retrogradas e mesmo assim quase nunca são cumpridas, o caso envolvendo o estupro em Santa Catarina já teria um desfecho. E, principalmente, se em vez de ser um empresário “filhinho de papai” fosse um “pé-rapado”. Ainda tem esse agravante. As leis servem para quem interessa que elas funcionem. Um cara cheio da grana e um advogado sacana (que me desculpem os honestos), certamente com influência no meio jurídico, todo mundo já sabe o final. Que me desculpem também os integrantes da Justiça que realmente agem com retidão. Mas é preciso falar e não é segredo para ninguém que no meio de vocês tem muitos Rudson Marcos, que em nenhum momento impediu a fala do advogado, se é que se pode chamá-lo assim, quando agredia verbalmente a jovem estuprada. Inaceitável e condenável tirá-la da condição de vítima para acusada. É exatamente por causa de dedos podres, como este juiz, que o Brasil continua um “cabaré”.

Asqueroso I

Para quem não está entendendo “bulufas” de nada este desabafo todo é sobre o que revelaram gravações, divulgadas pelo site The Intercept, que mostram o advogado Claudio Gastão Filho, que representa o empresário André Camargo Aranha (absolvido do crime de estupro) dizer à vítima Mari Ferrer: “[…] Peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você. E não dá para dar o seu showzinho. Teu showzinho você vai lá dar no Instagram depois para ganhar mais seguidores. Mariana, vamos ser sinceros, fala a verdade. Tu trabalhava no café, perdeu o emprego, está com aluguel atrasado há sete meses, era uma desconhecida. Vive disso. Isso é seu ganha pão, né, Mariana? É o seu ganha pão a desgraça dos outros. Manipular essa história de virgem”. Imagine um pai, uma mãe, irmãos ouvindo isso a respeito de uma pessoa que ama dentro de um tribunal e sem poder agir? E ela? Qual adjetivo merece uma pessoa dessa? Teria filhos? Perguntas que muita gente deve estar fazendo, porém, sinceramente, nem merecem respostas. Pior coisa que se faz é desgastar a mente e ocupar o tempo com gente ordinária. 

Asqueroso II

Para piorar a cena constrangedora, o juiz que conduziu a audiência diz que se tratavam de “alegações”, mas não impediu a fala do defensor do empresário. Na sentença em que o absolveu da acusação de estupro de vulnerável, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, escreveu: “As provas acerca da autoria delitiva são conflitantes em si, não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois, repetindo um antigo dito liberal, ‘melhor absolver 100 culpados do que condenar um inocente'”. E nem precisava o magistrado ilustrar sua decisão com esta frase, visto que todo mundo sabe que é devido a decisões como a dele que não 100, mas milhares de bandidos estão “livres, leves e soltos” por aí praticando crimes hediondos como este.

Asqueroso lll

Para finalizar o filme de terror, o advogado chega ainda a mostrar fotos da influenciadora falando em “posições ginecológicas”. “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lágrima de crocodilo”, diz ainda o advogado. Em seguida, o promotor que acompanha o caso afirma: “Mariana, se quiser recompor aí, tomar uma água, a gente suspende, tá?”. Tipo: suspende e depois você volta para a tortura. Não bastava o defensor e o juiz, o promotor, ao não fazer nada, mostrou-se igual aos demais, formando “o trio infernal”. Olha que isso ocorreu há dois anos e só agora veio à tona. Depois desta repercussão, espera-se que alguma atitude seja tomada. É o mínimo que essa moça e o resto do Brasil aguardam.

“Estupro culposo”? 

Acredito ser este o termo mais usado nestes últimos dois dias no país. Na manifestação sobre o caso enviada à Justiça, o nobre integrante do Ministério Público defende uma tese de “estupro culposo”. “Se a confusão acerca da idade pode eliminar o dolo (intenção), por que não aplicar-se a mesma interpretação com aquele que mantém relação com pessoa maior de idade, cuja suposta incapacidade não é do seu conhecimento?”, diz trecho da conclusão do promotor. Patético. O termo não existe e a sentença é inédita e descabida.   

“Estarrecedoras”

Como em outros meios, no jurídico a decisão repercute e recebe duras críticas. Em uma delas, o ministro Gilmar Mendes publicou uma mensagem em seu perfil no Twitter, pedindo que órgãos de correição investiguem postura dos agentes envolvidos no julgamento. Mendes classificou como “estarrecedoras” as imagens da audiência.  “O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, publicou o ministro. Enfim, agiu acertadamente. Cá para nós, algumas decisões e posições do ministro, ultimamente, deixaram a desejar. Em nota, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou que o caso está sendo apurado em procedimento instaurado no último dia 30. É uma obrigação e, sem dúvida, muita gente vai cobrar uma resposta. 

Virar o jogo 

Após todo o país clamar #justiçapormariferrer, o Diretório Acadêmico da Uemg unidade/Divinópolis convoca ao debate as candidatas à Prefeitura de Divinópolis. O recado está dado, a sociedade exige mudanças! Queremos mais mulheres ocupando os espaços de poder! Como podemos virar esse jogo?! Vamos assumir nossa responsabilidade com este momento histórico das candidaturas femininas em todo o mundo. O encontro será neste domingo, 8, às 20h, em @dauemgdivi. Aplausos. 

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