Da igreja templo para a doméstica: distanciamento social impõe desafio à Igreja Católica

Edivânia Souza, Rafael Cardoso, Raphael Rodrigues, Samara Nathália e Paulo Vitor Souza

É domingo. Por causa do coronavírus, dona Maria Selma não poderá ir à igreja de Nossa Senhora da Piedade para a missa das 19h. Ela terá de se contentar com a celebração transmitida pelo canal do Divino Pai Eterno, que vai ao ar duas horas mais cedo que a presencial que ela costumava frequentar. Na casa dela, um adesivo na porta da sala ilustra a fidelidade da senhora de 74 anos. “Domingo sem missa, semana sem graça” são os dizeres que o padre também costuma pregar nas celebrações de domingo. Mas as missas na cidade já não acontecem da mesma forma. Há quem diga que as lives realizadas por uma pastoral da igreja suprem bem a falta que os mais devotos sentem por não participarem de forma presencial. 

A pandemia da covid-19 alterou relações de tempo e espaço não só em Felixlândia, cidade de Maria Selma, na região central de Minas Gerais. A crise deu novos contornos para a religião católica em todo o país. A preocupação com o risco de transmissão fez com que prefeitos e governadores suspendessem a realização de cultos, instalando de vez o maior dilema enfrentado pelo catolicismo nos últimos tempos. O impacto das medidas de isolamento foi sentido a bate-pronto. Padres agora celebram missas diante de uma câmera ou celular. Os fiéis já não estão em grandes números, eles precisam se inscrever anteriormente nas secretarias paroquiais, para assim participarem em número reduzido das celebrações aos fins de semana.

Dificuldades até na hierarquia 

Em sua nova encíclica, assinada em 3 de outubro, o papa Francisco dá destaque para as emergências da igreja católica após o período de pandemia. Durante toda a crise do coronavírus, ele  chamou a atenção para as dificuldades que a instituição milenar teria de enfrentar passado o problema. Ele também destacou as desigualdades sociais evidenciadas pelos vírus e ressaltou ainda, no documento da encíclica, o que chama de “vírus do individualismo”, uma das preocupações católicas em relação ao momento de isolamento social.

A inquietação provocada pela pandemia atravessou os fiéis e bateu à porta da hierarquia católica. A exemplo do papa, líderes diocesanos e padres assumem que o período de distanciamento social terá reflexo na vida futura do catolicismo. Perguntado se as novas formas de evangelização, através de meios digitais, abririam precedentes para queda na participação dos leigos, o bispo da Diocese de Oliveira explicou que a instituição está sempre em busca de reinvenção. 

— Ainda não podemos avaliar. Talvez os que já eram acomodados na fé se acomodem mais ainda, mas os fiéis têm sede da Eucaristia, da partilha da Palavra de Deus e do convívio fraterno. Afinal, Jesus fundou uma Igreja, assembleia de convocados à conversão, aos sacramentos e à comunhão fraterna. Para a Igreja, é sempre tempo de se reinventar (...) — disse dom Miguel Ângelo Freitas.

Sobre as novas adequações tecnológicas, o bispo explicou que a pandemia trouxe formas inéditas de interação com os fiéis.

— Tivemos e temos muito a aprender, mas a assessoria de profissionais e a ajuda da Pastoral da Comunicação têm nos permitido manter o contato com os fiéis e a obra de evangelização, assim como a solidariedade fraterna. (...). Muitos sacerdotes e fiéis também têm muita facilidade com os novos meios e a ajuda fraterna facilitou o trabalho de todos. Mas temos muito a aprender — explicou.

Reinvenção

A necessidade de criar interação com os leigos na igreja católica não é uma realidade forçada apenas pela covid-19. A instituição, nos anos 90, apelou para os meios de comunicação, com a construção de conglomerados de TV e rádio, além da compra de espaços televisivos em canais seculares. Os contratempos em relação às novas formas de evangelização fora dos grandes centros e dioceses expõem o antagonismo desfavorável ao catolicismo em relação a outras denominações religiosas quando o assunto é a “tecnologização” dos meios de evangelização no país.

Embora seja a denominação religiosa que historicamente sempre deteve maior fôlego financeiro, a Igreja Católica se movimentou para manter fidelizados os leigos que agora já não contam mais com a força mobilizadora de grandes eventos, encontros, cursos e retiros. Os novos modelos de interação foram melhor assimilados por algumas paróquias que outras. A transição da interação face a face à interação mediada também reforça que o caráter coletivo do catolicismo se baseia principalmente no ombro a ombro.

— Com relação à participação dos fiéis nas lives é muito moderado. (...) no início eu trabalhava em duas paróquias, e a gente podia ver uma interação muito grande, por exemplo na paróquia de Morro do Ferro, durante a festa de São João Batista. A gente tinha aí em torno de 200 e poucas pessoas assistindo pelo Youtube e na faixa de 130 pelo Facebook. Sendo um público maior a interação acontece — explica João César Passos, que realiza transmissões de missas em paróquias da cidade de Oliveira. 

— A gente viu que toda demanda estava relacionada às transmissões (...) a gente transmitia somente por um canal, com áudio e captação péssima, agora ficou interessante porque a gente já fez transmissões com dois aparelhos para transmitir a dois lugares ao mesmo tempo — diz.

Segundo o padre Marcelo Caixeta, da paróquia Nossa Senhora Aparecida, em Divinópolis, a adaptação aconteceu de forma variada. Ele aponta um termo que está em alta durante a pandemia: a “igreja doméstica”.

— Alguns resistiram bastante à adaptação, mas não tinha outra solução: era a única maneira de a Igreja instituição estar presente junto aos seus fiéis ‒ a Igreja doméstica. (...) Acreditamos que, por um bom tempo, as ferramentas digitais serão o canal de proximidade entre nós ‒ os pastores ‒ e o nosso rebanho. Assim, a perspectiva é qualificar, ainda mais, esse serviço pastoral: tanto dos agentes como dos recursos — pontuou.

Embora a internet e as transmissões via lives tenham sido um dos artifícios mais usados pelas paróquias, há quem diga que elas não substituem a presença física nas celebrações. É o caso da zeladora da Igreja de Nossa Senhora das Dores, em Itaguara. Roseli Aparecida diz que o contato pela internet pode criar acomodação por parte dos fiéis.

— As pessoas estão se acostumando agora a assistir as lives e a ficar acomodadas, então eu acho que isso vai tirar um pouco da liberdade das pessoas caminharem para a igreja e fazerem uma visita ao Santíssimo. Elas vão achar que podem conseguir o que querem sem precisar assistir as missas presenciais — defende.

A necessidade de acompanhar as novas tecnologias ficou ainda mais explícita para a igreja durante as medidas de isolamento social. Embora alguns concordem que a evangelização digital tenda a ganhar espaço, outros fiéis ainda reafirmam a ideia de coletividade e presencialidade das atividades católicas. 

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