Crepúsculo da Lei – VI

Outro ecocídio

Em três anos, praticamente, matamos dois rios: Doce (Mariana) e Paraopeba (Brumadinho). Considerando-se o modus operandi e o estilo repetitivo, podemos nos considerar serial killers fluviais. E ainda, se formos procurar outro planeta para viver, seremos também serial killers planetários.

Somos ecocidas cruéis porque antes de matarmos nossas vítimas (rios) as torturamos sistematicamente, defecando nelas e sufocando-as com todo tipo de dejetos. Sim, parece incrível, mas nós humanos defecamos na água que bebemos.

Ecocídio, pois, consiste na destruição em grandes proporções do meio ambiente. Sob este tema já se manifestou o Tribunal Penal Internacional (TPI) em 2016 para entendê-lo como crime de lesa-humanidade e, por ser signatário do tratado de Roma, o Brasil aceita a jurisdição do TPI obrigando os autores de tais crimes – empresas, autoridades ou chefes de Estado – a indenizar moral e materialmente as vítimas.

Mas há outro detalhe. Como se não bastasse, o Brasil não só mata o meio ambiente como também mata os defensores dele. Entre o ano 2000 até 2018, estima-se que aproximadamente 550 ambientalistas tenham sido mortos pela causa. O país parece que não assimilou devidamente temas profundos e importantes como meio ambiente, direitos humanos e justiça social.

Ainda sobre o ecocídio, conforme dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), em cadastro publicado em 2017 pela Agência Nacional de Mineração (ANM), existem 839 barragens de rejeitos de minério no Brasil. Todas elas possuem riscos de acidentes, mas 19 delas foram consideradas com alto risco de rompimento, sendo que 12 estão situadas em Minas Gerais, ou seja, nada está tão ruim que não possa piorar em 63,1% dos casos possíveis no Estado berço de Guimarães Rosa.

Ora, o homem lida com a mãe natureza como se fosse um violador contumaz da lei Maria da Penha: ameaça, agride e estupra a natureza como se ela fosse sua desafortunada companheira, receptora infeliz de sua incompreensível violência. É uma relação absurda de exploração de uma fêmea, naquilo mesmo que o homem faz para prostituí-la, violentá-la e explorá-la ao máximo.

A correlação entre o termo fêmea e o substantivo feminino natureza não é por acaso. Fêmea traz do latim a mesma raiz de “fecundar”, ou seja, “parir”. A abordagem androcêntrica (ou falocêntrica) do termo, portanto, transmite a ideia de que a fêmea, a que fecunda, foi feita para o homem. Partindo-se deste ponto, é inconcebível o entendimento de que o homem foi feito para a mulher.

Nesse sentido absurdo, o homem destrata (ela) a natureza, porque acha que a natureza foi feita para ele (o homem), esquecendo-se até mesmo do (talvez único) ponto comum entre criacionistas e evolucionistas: que ela (a natureza) veio primeiro.

Para finalizar, na mitologia grega a mãe-terra é Gaia, dotada de todo o potencial gerador da vida. Por conta disto, teria gerado sozinha o céu (Urano) como seu igual e para que ela pudesse ter alguém que a cobrisse completamente.

Gaia teve diversos filhos e filhas com Urano. Uma das filhas é Têmis, a deusa da lei e dos juramentos, até hoje adotada por nós como símbolo da justiça, com sua espada numa das mãos e balança noutra.

Se analisarmos bem, parece que ela não está muito contente com o que anda acontecendo aqui, por estas plagas.

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