CREPÚSCULO DA LEI – XXXI - Uma história nada engraçada

Esta é a história de um palhaço. Não tem nada a ver com o livro “O Homem que Ri”, de Vitor Hugo (1869), ou com a ópera “Pagliaci”, de Ruggero Leoncavallo (1892). Esta história é de um palhaço muito estranho. Na realidade, não era uma palhaço legítimo. Ele havia tentado anteriormente ser equilibrista, mas era muito desequilibrado, dado que se comprovou quando tentou sabotar a caixa d’água do primeiro circo onde havia trabalhado. Queria aumento de salário. Conseguiu aposentadoria por desequilíbrio.

Fato é que chegou ao novo circo dizendo-se palhaço e contava umas anedotas do tipo “O picadeiro acima de todos e a lona acima de tudo!”. Ninguém achava graça nenhuma, mas ele dizia: “Entendei-vos a piada, e a piada vos alegrará!”. Ninguém entendia menos ainda e continuavam a não dar o menor riso. Continuava sendo um desequilibrado, um desequilibrado sem graça.

Todavia, o palhaço fez amizade com o atirador de facas, com a mulher barbada e também o com mágico. As piadas começaram a ficar estranhas porque se desentenderam com o domador de leões e o prenderam. Como os leões haviam sido comprados por um zoológico – comprado é diferente de vendido, já que ninguém sabe e ninguém viu o dinheiro – e colocaram o domador em uma das celas. Ficou evidenciado mais tarde que o dono do zoológico também era amigo do palhaço e que havia adquirido os animais por uma ninharia, mediante ajuda do próprio palhaço.

O palhaço candidatou-se para a direção do circo. Durante a campanha, fez uso da faca do mágico e simulou ter sido agredido por um chimpanzé amestrado. Disse que o animal havia sido treinado pelo domador de leões para atingir-lhe. Ganhou a eleição e a direção do circo.

Como primeiros atos de direção, nomeou o mágico seu gerente de finanças, nomeou o atirador de facas como gerente de segurança, e a mulher barbada como gerente de público. Com amparo dessa gerência, o palhaço chamou todos os funcionários do circo de vagabundos, alegando que trabalhavam pouco. Determinou que fossem despedidos e esclareceu que recontrataria todos aqueles que quisessem trabalhar o dobro das horas de serviço, mas pela metade do salário.

O palhaço determinou ainda que o circo fosse terceirizado ao dono do zoológico, o qual seria o responsável pelo agendamento dos espetáculos. O dono do zoológico também alugaria os leões ao circo para os espetáculos, bem como alugaria quaisquer outros animais que achasse conveniente. O dono do zoológico ainda comprou a lona do circo em um leilão do qual somente ele participou – deu ma porcentagem ao palhaço – e alugava a lona para o circo.

Enquanto isso, o domador de leões continuava na cela, sequestrado, sem direito a visitas, pois o palhaço achava que ele era um perigo por saber domar animais ferozes, como chimpanzés. Determinou o que o chimpanzé fosse torturado com penas de pavão no “sovaco”, para delatar o golpe contra ele, mas o símio resistiu bravamente, até defecar todos os quilos de fezes por cócegas possíveis. Todos ficaram abismados e assustados com tragédia do macaco e o caso foi levado ao gerente de segurança, que nada fez. Deste dia em diante deixou de ser atirador e virou engolidor de facas.

Como poderia haver só um palhaço no circo, a mulher barbada, gerente de público, encarregou-se fazer novas piadas. Dizia que o pato Donald era pedófilo, que Mickey era um “ratqueen” e que o Pluto era um agente administrador da prostituição de cadelas, um lenocida.

Por sua vez, o mágico só fazia desaparecer coisas. Sumia com a renda do espetáculo, com os salários já reduzidos, bem como fez sumir direitos trabalhistas, a verba para a saúde e acabou com a Previdência. Quem quisesse se aposentar deveria comprar bônus de uma empresa ligado ao ramo de suco de laranjais, aquela com slogan: “Milícia é Delícia. Chupe a Vida!”.

Não há circo que resista a tanta palhaçada, mas, infelizmente, a reação veio tarde e acompanhada por uma fumaça densa e asfixiante, prenunciando labaredas gigantescas. Foi um incêndio enorme – com flashover e backdraft juntos – que pôs abaixo todo o circo. Foi a última piada do palhaço, antes da fuga. Carregou tudo, inclusive uma imensa satisfação, porque a alegria do palhaço é exatamente esta: ver a floresta, ou melhor, o circo pegar fogo!

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