CREPÚSCULO DA LEI – XXVI: CUMPRA-SE!

 

Calixto Sávio Domingos

O francês François Andriex (1759 – 1833) foi advogado, poeta e escritor. Um dos seus contos mais emblemáticos para a comunidade jurídica chama-se O Moleiro de Sans-Souci e refere-se a um episódio – nem tão pitoresco -  ocorrido na Prussia do século XVIII – 1745 - sob o reinado de Frederico II.

Há que se esclarecer que a antiga Prussia corresponde hoje à Alemanha, por conta da unificação entre a Prussia oriental e Prussia ocidental. Ainda esclarecendo inicialmente, moleiro corresponde à uma profissão atribuída aos proprietários de moinho e, por sua vez, Sans-Souci é uma expressão em francês que significa sem preocupação: ….sanssouci!

Pois bem, apresentados e esclarecidos os termos preambulares do conto de Andriex, eis o que ocorreu, conforme se segue.

Em 1745 (conforme dito), Frederico II resolveu construir um castelo nas imediações de Berlim, com a finalidade primeira de ostentar uma edificação capaz de combinar luxo e tranquilidade. Para tanto a comissão real, encarregada da construção da imponente obra, tratou de espantar incômodos vizinhos, notadamente aqueles que comprometiam a bela paisagem do escolhido lugar.

Ocorre que, cáspite! Um moleiro insistia em permanecer por ali, praticamente ofuscando, além da paisagem, a suntuosidade do palácio que já se fazia transparecer. Fazia-se o tal moleiro por ignorar todas as admoestações, advertências e até mesmo ameaças que lhe chegavam e realmente não colaborando com a estética almejada pela vontade real.

Nada o constrangia. Era realmente relutante o tal moleiro.

A situação chegou ao ponto do próprio Frederico II intervir. Sua Majestade abordou o teimoso moleiro sobre sua relutância de não sair do lugar. Perguntado se não tinha medo ou receio de se contrapor ao importante monarca, respondeu com uma frase tão calma quanto célebre: “ainda há juízes em Berlim”. (...)

Ora, muitos juristas e estudiosos do Direito se debruçam sobre a representatividade desta resposta, bem como naquilo mesmo que ela consegue potencializar em termos de combinação entre confiança e eficácia. Importa lembrar que perante qualquer tribunal o que se deduz são vulneráveis, exatamente por se considerar que todo indivíduo é um vulnerável sob as estruturas de governo.

Assim, diante de algumas metáforas possíveis deste conto, algumas indagações são inevitáveis para o caso brasileiro.

Será que os indígenas, em franco extermínio, sofrendo esbulhos de grileiros que lhes tomam as terras - quando não os matam - pensam que existem juízes no país?

Será que os quilombolas imaginam que existem juízes no Brasil? Os favelados em seus barracos? Os homoafetivos em suas andanças? Os negros em suas limitações veladas?

O que será que pensam os brasileiros em face de históricos de juízes que perseguem o acusado? Que lhes subtraem todas as garantais constitucionais?

E de eventuais Fiscais da Lei que se compactuam com isso, bem como se alinham em práticas que são verdadeiros sequestros fantasiados de prisão sem decisão definitiva do mérito?

Certamente ainda existem moleiros de toda espécie no país, seguramente ainda tomados de confiança. Da mesma forma, ainda existem juízes dignos no Brasil, bem como Fiscais da Lei honrados.

Portanto, o que se espera é apenas isto: que (se) façam valer do Direito em prol da dignidade e de todas as garantias mencionadas pela Constituição vigente. Que os princípios ali constantes sejam acatados e aplicados, para que todo moleiro tenha calma e segurança na resistência aos abusos.Não se trata de benesse alguma. O nome disto é Justiça.

               

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