CREPÚSCULO DA LEI – XXII

Papai e mamãe: quero meus direitos! 

Freud (1856 – 1939) tinha uma personalidade pouco alinhada com aqueles que se contrapunham às suas teses. São notórios – até proveitosos – os embates com seus discípulos do famoso Círculo de Viena, notadamente com Gustav Jung (1875 – 1961), pai da psicologia analítica.

Sem embargo, há outro dissidente freudiano que interessa particularmente ao texto, chamado Otto Rank (1884 – 1939). Muito embora um acadêmico da psicologia, Rank também tinha bases na filosofia e isto contribuiu para a formação de sua tese em relação ao trauma humano, voltado para o momento do nascer: sim, o nascimento como grande trauma humano!

Diferentemente de Freud, que reportava as questões dos traumas na abordagem sexual, Rank entendia que o grande trauma do ser humano consistia no próprio nascimento, na dura passagem da vida intra-uterina para o choque do parto e à nova vida, agora distante da proteção e aconchego maternos.

Sob esse aspecto, todo o processo de adultização corresponde ao duro sofrimento de afastamento daquele espaço primordial da proteção e que assombra a memória carente até mesmo na agradável posição fetal de dormir em conchinha.

É por conta dessa dor do desamparo que os processos de infantilização possuem certa facilidade de assentamento nas práticas sociais, conforme já percebido pelos estudos da neurociência. Remover o indivíduo do seu conflito temporal de dura adultização e transitar com ele em lúdicos playgrounds infantilizantes do comportamento provocam sintomas de desvios de alívio na vida que segue.

A infantilização opera em diversos discursos, mas vem obtendo especial êxito nas práticas de vulnerabilização quase vitimizante de governos paternalistas, assim estabelecidos por conta de práticas de alienação e rupturas com os deveres e obrigações sociais.

Não é por outro motivo que se detectam adultos infantilizados ainda morando com os pais, adolescentes quarentões e filas gigantescas para se assistir a vingadores e às ligas das justiças, todos identificados com os capitães américas, hulks, homens de ferros ou mesmo coringas, tanos, duendes verdes, porque não importa a vilania para o processo reconfortante e repousante da infantilização.

O processo de infantilização contribuiu significativamente para a questão da pós-verdade, já que a fuga da verdade faz parte do mundo infantil. Também faz parte do mundo infantil não saber discutir e se irritar com os oponentes sempre que o (pouco) argumento falta. Além disto, faz parte da infantilização recorrer narcisicamente às armas, assim como os heróis do cinema o fazem. No cinema, nem o herói, nem o vilão têm muita paciência com o debate.

A última década e meia contribuiu com o processo de infantilização mediante uma educação disneymode e mediante a cessão desmedida de direitos sem a contraposição dos respectivos deveres. Diversos infantilizados se colocam no direito de não ter deveres e, como pirracentos sociais, bradam sem nenhum pudor: “Quero meus direitos!”, como se essa invocação pudesse transformar-lhes imediatamente em algum herói capaz de resolver-lhes os próprios problemas.

Uma coisa é certa: enquanto esse processo de infantilização perdurar – até mesmo nas brincadeiras com arminhas – haverá chatura e choro em desalento por qualquer coisa, e para tudo quanto é canto.

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