Colapso na economia: afirma especialista sobre pandemia do coronavírus no País

Maria Tereza Oliveira

"Infelizmente a corda arrebenta para o lado mais fraco novamente". Assim avalia um especialista em finanças sobre a Medida Provisória (MP) nº 927 publicada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no último domingo, 22. O brasileiro foi pego de surpresa com a MP que permite aos empregadores suspenderem os contratos de trabalho de seus funcionários por quatro meses sem pagamento de salário. Porém, após o texto ser criticado, durante a tarde, Bolsonaro anunciou, pelo Twitter, que determinou a revogação do artigo 18, que permitia a suspensão do contrato de trabalho. No entanto, apesar disso, a exigibilidade do recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) pelos contratantes, referente às competências de março, abril e maio ainda serão suspensas. Para entender as consequências da nova medida do governo federal em Divinópolis, o Agora entrevistou o especialista em finanças, Célio Tavares e o presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) Divinópolis, Leandro Carvalho Santos Ribeiro.

Medida Provisória

A MP nº 927 faz parte do pacote de medidas econômicas contra os efeitos do coronavírus (Covid-19) e teria como objetivo evitar demissões em massa. A medida contém 39 artigos, incluindo o Art. 18, revogado na tarde desta segunda-feira. No entanto, ela ainda precisa ser aprovada, como toda medida provisória, em até 120 dias pela Câmara dos Deputados e pelo Senado para não perder a validade.

De acordo com o art. 2º do texto, durante o estado de calamidade pública, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.

O texto, sob a mesma justificativa, permite adoção pelos empregadores de algumas medidas como o teletrabalho; antecipação de férias individuais; a concessão de férias coletivas; aproveitamento e a antecipação de feriados; banco de horas; suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; direcionamento do trabalhador para qualificação; e diferimento do recolhimento do (FGTS). 

No caso do teletrabalho, a MP fixa que não será preciso alterar contrato para o empregador determinar o teletrabalho e a posterior volta ao trabalho presencial. Além disso, o empregado deve ser informado da mudança com no mínimo 48 horas de antecedência. Um contrato escrito, fora o contrato tradicional de trabalho, deverá prever aspecto relativo à responsabilidade da aquisição, manutenção e fornecimento de equipamento tecnológico para teletrabalho e o reembolso de despesas arcadas pelo empregado.

A empresa também poderá disponibilizar o material necessário para que o teletrabalho seja realizado, de modo que depois seja devolvido pelo funcionário.

Trabalhador

Ainda sobre o art. 18, para o presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB Divinópolis, Leandro Carvalho, se trata de algo inédito no país.

— Creio que vários tópicos da MP serão alvo de discussões judiciais futuras, eis que afrontam diretamente a Constituição Federal, inclusive o artigo 18, da referida MP, que fala que o contrato de trabalho poderá ser suspenso, pelo prazo de até quatro meses, para participação de empregado em curso ou programa de qualificação profissional. É necessária muita cautela na aplicação da referida medida, eis que não consta nela nenhuma garantia de fonte de renda ao empregado — apontou.

Apesar disso, conforme informou, a Câmara de Deputados e o Senado ainda podem pautar a MP para rejeitá-la ou aprová-la.

— Caso não seja aprovada, no prazo de 45 dias, da data de sua publicação, a MP tranca a pauta de votação da Casa em que se encontrar Câmara ou Senado — contou.

Colapso na economia

A reportagem ouviu o especialista em finanças, Célio Tavares, sobre o que essa MP impactaria na economia. De acordo com ele, apesar de essenciais para combater o coronavírus, as medidas que paralisam as empresas têm consequências para a economia como um todo.

— O problema é que muitas empresas que estão  paralisadas não teriam como fazer o pagamento. O comércio já está cancelando as compras de mercadorias e, por consequência, nos próximos meses teremos calote generalizado. É um efeito em cascata: as empresas paradas não conseguem pagar os trabalhadores, que por sua vez não conseguem pagar as contas ou consumir e isso impacta até mesmos os serviços que permanecem em aberto — explicou.

Antes do Art. 18 ser revogado, Célio explicou que englobava uma fatia das empresas, porque se estão fechadas, não teria como faturar. No entanto, se continuasse em vigor, de acordo com o especialista, o governo federal deveria tomar medidas para respaldar a população durante os meses.

— Ficar quatro meses sem receber é muito difícil, as pessoas precisam de recursos. A saída do governo seria colocar mais dinheiro na economia. Mas isso tem de ser feito com muita cautela. O Brasil tem uma população maior de pessoas vulneráveis e mesmo em países mais desenvolvidos, a situação provocou que várias empresas e pessoas quebrassem — lembrou.

De acordo com o especialista, a situação do Covid-19 vai resultar numa crise financeira como nunca visto antes.

— O Brasil não é rico. O Bolsonaro já disse que vai ajudar, ofereceu R$ 200 por pessoa carente, mas é pouco. Daqui para frente, são necessárias mais medidas. A engenharia econômica é complicada, esta medida irá gerar uma confusão — previu.

Voltou atrás

As previsões de Célio Tavares e Leandro Carvalho se tornaram reais, quando apenas algumas horas após a publicação, a questão foi revogada.

O texto conta originalmente com o Art. 18, que trata da suspensão de contratos que deveria ser feita de modo que, no período, se garanta a participação do trabalhador em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador ou alguma entidade.

O artigo em questão estabelecia que o empregador não precisaria pagar salário no período de suspensão contratual,  ou seja, durante quatro meses, no entanto, poderia conceder ao empregado ajuda compensatória mensal com valor negociado entre as partes. O trecho foi duramente criticado, até que, pelo Twitter, à tarde, o presidente voltou atrás. A suspensão do contrato seria registrada em carteira de trabalho física ou eletrônica.

— Determinei a revogação do art. 18 da MP 927 que permitia a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses sem salário — revelou.

Dentre os pontos deste artigo, ainda constava que nos casos em que o programa de qualificação previsto não fosse oferecido, seria exigido o pagamento de salário e encargos sociais, e o empregador ficaria sujeito a penalidades previstas na legislação.

— A suspensão dos contratos não dependerá de acordo ou convenção coletiva, mas poderá ser feito de forma individual ou coletiva — apontava.

O artigo ainda colocava os acordos individuais entre patrões e empregados acima das leis trabalhistas ao longo do período de validade da MP para "garantir a permanência do vínculo empregatício", desde que não seja descumprida a Constituição. Apesar disso, os benefícios como plano de saúde ainda seriam mantidos.

Sem FGTS

Mas, se o art. 18 foi revogado, o mesmo não se pode dizer sobre o 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25, que tratam sobre a suspensão do FGTS. Fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.

Os empregadores podem suspender o FGTS, independente do número de empregados; do regime de tributação; da natureza jurídica; do ramo de atividade econômica; e da adesão prévia.

No entanto, os trabalhadores não ficarão sem o direito, já que o recolhimento das competências de março, abril e maio de 2020 poderá ser realizado de forma parcelada, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos.

— O pagamento das obrigações referentes às competências será quitado em até seis parcelas mensais, com vencimento no sétimo dia de cada mês, a partir de julho. Para usufruir da prerrogativa, o empregador fica obrigado a declarar as informações, até 20 de junho — diz o texto.

Além do FGTS, a MP propõe a flexibilização dos pagamentos de benefícios referentes ao período. O Ministério da Economia e sindicatos não precisam ser informados da decisão por férias coletivas, por exemplo.

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