Cidade que vereador usou para defender tratamento precoce vive colapso na saúde

Município nega que tenha zerado os casos de covid, como afirmou Eduardo Azevedo; medicamentos não possuem comprovação científica

Bruno Bueno

A pandemia de coronavírus vem, a mais de um ano, prejudicando a vida de milhares de pessoas. Sonhos interrompidos, fechamento de estabelecimentos, vidas perdidas e vários outros impedimentos que a covid-19 trouxe à população. Mais de 365 dias depois, a esperança da pandemia terminar vem sendo alimentada com a chegada da vacina. Contudo, parte da população vem buscando alternativas para frear o avanço da covid mais rapidamente. 

Uma dessas alternativas é o tratamento precoce. A terapia, que é defendida com frequência pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), consiste no uso de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina, todos sem comprovação científica contra a doença. O assunto foi pauta da última reunião da Câmara de Divinópolis, ocorrida na última terça, quando Eduardo Azevedo (PSC), irmão do prefeito Gleidson Azevedo (PSC), defendeu em sua fala na tribuna, o tratamento imediato.

— Os números não mentem. Isso comprova que isso é verdade. Por que Divinópolis trava uma resistência contra o tratamento precoce? Nós temos dados empíricos que comprovam isso. Mais de dois mil pacientes já foram salvos aqui na nossa cidade, sem nenhum óbito — disse.

Em seu discurso, o parlamentar usou como exemplo a cidade de Chapecó, localizada no estado de Santa Catarina, afirmando que o município havia zerado as mortes por covid após indicar o uso do tratamento para a população. 

Contudo, a informação dita pelo vereador diverge da realidade da cidade, que segundo boletim divulgado na tarde de ontem, havia registrado quatro mortes em decorrência da doença, totalizando 544 no total. Vale ressaltar que, desse número total de vidas perdidas, mais de 400 foram registradas somente neste ano, desde a chegada do prefeito João Rodrigues (PSD), que implementou o tratamento.

Chapecó

Após a divergência de informações, a reportagem procurou a Prefeitura Municipal de Chapecó que, através da assessoria de comunicação, informou que a cidade tem um ambulatório específico para fornecer o medicamento de imediato.

— Mesmo sem a testagem positiva, se a pessoa apresentar sintomas, ela já é levada para o ambulatório. No local, um médico faz uma avaliação geral da pessoa e, se ela assim desejar, irá receber a medicação. Nós sabemos que não tem eficácia científica comprovada, porém, a vacina não também tem 100%. Não estamos questionando a ciência, só queremos disponibilizar novas formas de atendimento no município — disse.

A Prefeitura também deu um panorama geral sobre a situação da pandemia no município que, apesar de ter um número de habitantes semelhante a Divinópolis, com 16 mil pessoas a menos, possui o dobro do número de mortes quando comparado a “ Cidade do Divino”.

— As mortes estabilizaram, mas não foram zeradas. Tivemos o colapso da saúde nos meses de fevereiro e março, após a chegada da nova cepa do vírus em Manaus. A nossa UPA superlotou e, baseado nisso, nosso Comitê de Enfrentamento ao Covid viabilizou a chegada de 74 novos leitos para o hospital de campanha. Os insumos deste hospital foram comprados através de doação da população — explicou.

Hospital regional

O Agora também fez contato com o Hospital Regional Oeste, sediado em Chapecó, que recebe pacientes com covid de 40 municípios de Santa Catarina. A reportagem também questionou a situação da pandemia na cidade do sul do país.

— No final do ano passado, nós tínhamos 35 leitos de covid para atender a população. Hoje, aumentamos esse número para 102. Atualmente, porém, tivemos que adicionar leitos extras, para comportar os 123 internados por covid que temos no hospital, 97 na UTI e 26 na enfermaria — afirmou o hospital através da assessoria.

A assessoria também explicou sobre o uso do tratamento imediato em pacientes do hospital regional.

— O hospital não interfere, a decisão de receitar vem do médico e a de aceitar vem do paciente. Atualmente não há como afirmar que esse tratamento interferiu positivamente ou negativamente nos casos do hospital, pois eles continuam como estavam antes — explicou.

São Judas Tadeu

O vereador também afirmou que já existem médicos que receitam o tratamento precoce no Hospital São Judas Tadeu.

— No Hospital São Judas Tadeu existem pessoas que, de forma voluntária, estão tomando os medicamentos e sendo salvos. Os médicos, que usam seu CRM e amam sua profissão, estão receitando e salvando vidas. Parabenizo os doutores Júlio Medeiros, Haroldo, Marcelo Rocha, Maurício, Uendel — afirmou.

Em vídeo divulgado nas redes sociais, o vereador manteve a defesa do tratamento. Junto dele estava o médico Marcelo Rocha, que confirmou que receitou o medicamento para os pacientes.

 — Já fornecemos os medicamentos para mais de duas mil pessoas que tratamos sem nenhuma morte. Temos o exemplo em vários lugares do país, não tem internação e não tem caos. A decisão é voluntária, ninguém irá obrigar as pessoas tomarem — disse.

O Agora entrou em contato com o Hospital São Judas Tadeu para questionar sobre as informações ditas pelo vereador, porém, até o fechamento desta página, por volta das 18h, não havia obtido nenhuma resposta. 

Divergências

O Agora também conversou com o vereador Eduardo sobre as divergências de informações em seu discurso com a realidade da cidade de Chapecó. O parlamentar disse que poderá se retratar.

— Se as mortes não tiverem sido zeradas, tenho que me retratar. Extraí as informações de um vídeo publicado pelo prefeito da cidade — disse.

O vereador também disse que já começou a conversar com o Executivo, representado pelo seu irmão, para implementar o tratamento em Divinópolis.

— Iniciaremos as conversas com o Executivo e com meu irmão nesta semana para implantarmos o tratamento na cidade. Eu sou favorável, assim como várias pessoas, mas temos que saber a opinião dele — explicou.

Prefeitura

O debate sobre a implantação do tratamento é recorrente na cidade. Todavia, a Prefeitura de Divinópolis, através da Secretaria de Saúde, não institucionalizou o uso de medicamentos imediatos para combater a covid-19.

— A Semusa não formalizou documento institucional de indicação ou não de tais terapêuticas. Ressalta-se, no entanto, que respeitará a decisão do médico assistente em conjunto com o paciente e caso o prescritor opte pela conduta medicamentosa, a Secretaria de Saúde fornecerá os medicamentos aos usuários — afirmou à época.

O secretário de Saúde, Alan Rodrigo, também não recomendou, à época, o uso do tratamento imediato.

— Atualmente não há evidências científicas para indicação dos fármacos hidroxicloroquina, cloroquina e ivermectina — associados ou não ao uso de corticosteróides, antibióticos (azitromicina) e vitaminas, dentre outros — na prevenção ou tratamento de covid-19 — disse o secretário.

 

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