Chorando nossos mortos

JOÃO CARLOS RAMOS 

Chorando nossos mortos

Rubem Braga foi um correspondente de guerra durante os confrontos da Segunda Guerra Mundial na Itália. No livro ‘’Crônicas De Guerra da Itália’’, ele descreve os horrores que culminaram com incontáveis números de mortos e feridos. Saudade é apenas uma palavra, até que passamos a conviver com ela. Jamais poderíamos imaginar que, em pleno ano de 2021, as batalhas seriam em tempo de paz. Refiro-me aqui às batalhas travadas nos hospitais contra o inimigo invisível, a covid-19. A "indesejada das gentes" está invadindo todas as camadas sociais, deixando um rastro indescritível de morte, depressão e saudade. Em Divinópolis, muitos há que tiveram seus lares enlutados pela partida de algum ente querido. A noite chegou mais cedo e nós choramos. Choramos mais intensamente por não haver tempo para despedidas. Poetizo no alto da montanha onde ventos sussurrantes batem em minha face e uma chuva fina ameaça cair:

o ruído ensurdecedor das metralhadoras à procura de corpos inocentes que lutam por nada em nome da glória fugaz...

Baionetas sedentas de sangue em mãos cansadas de ódio.

A noite não tem fim.

Bombas explodem em lugares diversos e inclusive no chão onde deveria haver a esperança.

A lama se confunde com corpos agonizantes e outros cujas vidas voaram para a história.

Assim também podemos ver no CTI (quando alguém consegue chegar lá...) homens, mulheres, crianças e jovens com um mar de sonhos pela frente.

As tais, como os enforcados, estão entubadas à procura de ar para sobreviver. 

Praticamente mortos, entregues nas mãos de médicos e profissionais de enfermagem, também trêmulos, sabendo que a morte ronda a todo momento.

Em suas casas, pessoas tristes e desesperadas contemplam amigos e entes queridos em suas últimas horas de vida, sem esperança, sabendo que o pior que pode acontecer a qualquer momento.

Enquanto choro e relembro de Dante em sua Divina Comédia.

Males maiores podem estar aguardando o agonizante do outro lado da existência terrestre.

Relembro Milton, em sua monumental obra ‘’Paraíso Perdido’’, em que descreve a queda do anjo de luz após rejeitar o lar perfeito e ser imergido em densas trevas, e ainda ser aprisionado em caldeirões ferventes.

Relembro de pessoas que rejeitaram os miseráveis e desafiaram o Criador.

Meu coração dói por não poder ajudar no parto espontâneo do homem interior. 

Por tudo isso, choro e convido a todos para uma procissão mental, com a finalidade de meditarmos na brevidade da vida. Choremos por todos os vitimados pela covid-19, e principalmente pelos mortos de nossa terra, Divinópolis.

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