Bombeiros rastejadores

Cena bíblica. Profecia de Jeremias. Ouve-se, em Ramá: uma voz, lamentos, soluços. É Raquel que chora os filhos, recusando ser consolada. Raquel, nome hebraico, significa Mansa, como a ovelha. Personifica tantas raquéis, tantos parentes e amigos que choram em decorrência do soterramento devorador que escorreu, profundo, da represa da Mina do Feijão, em 25 de janeiro de 2019. Brumadinho, diminutivo de Brumado, quer dizer sujeito a brumas. Figuradamente, situação nebulosa, difícil de compreender.

Cenário devastado, devassado, tornado terra de ninguém. Lama atingindo metros de profundidade. Aeronaves sobrevoando a região com o objetivo de recolher sobreviventes, corpos, animais. Militares brasileiros e de Israel, Polícia Militar, Polícia Civil, Bombeiros de Minas e de outros Estados. Destaque especial para cães farejadores e bombeiros rastejadores. Esses ofídios humanos rastejam sobre a lama, ampliando, assim, a área de atrito e minimizando o risco de atolar. Com estacas demarcam locais de busca. E ainda houve gente que, confortavelmente instalada, criticasse o trabalho das equipes técnicas ou fizesse gozação infeliz, e de mau gosto, nas redes sociais.

“Medalha da Inconfidência” é a mais alta comenda concedida pelo Governo de Minas Gerais. A escolha dos agraciados costuma ser baseada em critérios político-partidários, com forte viés ideológico, de direita ou de esquerda, ou reforçando a famosidade. A entrega das medalhas é realizada, anualmente, no dia 21 de abril, em Ouro Preto. Fica a sugestão: Conceder, este ano, a Medalha da Inconfidência a pessoas que se destacaram no socorrimento aos sobreviventes e na busca de vítimas desse fatal rompimento de barragem. Num espetáculo surrealista, bombeiros rastejadores demonstraram, sobejamente, solidariedade, coragem, competência técnica. Prova de amor maior não há que arriscar a própria vida pelo irmão. Eia, pois, “unpeuplusd’amour,s’ilvousplait”.

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