Baile de favela?

Rodrigo Dias 

Baile de favela?

É fato: toda história de superação é motivadora, faz bem para gente. Numa Olimpíada, esses casos se multiplicam e todo dia tem uma história que encanta. Uma das mais recentes é a da ginasta Rebeca Andrade, que foi prata na disputa do individual geral e ouro no salto sobre o cavalo.

Criada apenas pela mãe e recentemente recuperada de cirurgias no joelho, Rebeca deixou as adversidades para trás e na disputa do individual geral encantou o mundo com uma coreografia ao som de “Baile de Favela”. Um funk chiclete do MC João – para muitos de gosto duvidoso, por fazer apologia à violência contra a mulher –, que, para a Olimpíada, ganhou a companhia da música clássica "Tocata e Fuga", do alemão Johann Sebastian Bach.

Uma combinação perfeita: história de superação, mais favela (periferia) e uma ginasta negra. A primeira a conseguir tal feito numa Olimpíada, aos olhos do mundo. O enredo está armado. Tudo parece certo, mas, observando a certa distância – e não querendo aqui desmerecer o feito da atleta e sua importância para o esporte e a sociedade –, se percebe uma armadilha.

A meu ver, o erro está em exacerbar, ou melhor, romantizar a questão da favela/periferia e suas histórias de superação. Numa favela há pessoas ótimas. Lutadoras e trabalhadoras, mas são pessoas, em sua boa parte, que só sobrevivem.

Favelas e periferias são regiões dentro das cidades que não oferecem condições de vida satisfatórias, decentes. Falta saneamento básico, escolas, saúde e áreas de lazer, além de sofrer com a escalada da violência, advinda do tráfico de drogas e do crime organizado.

Há de se valorizar o que de bom existe nesses espaços, mas com equilíbrio. Quando se romantiza demais essa questão, se relativizam os problemas que existem nas favelas e periferias, que a bem da verdade não deveriam existir como existem hoje. As pessoas têm o direito de viver em espaços mais dignos e seguros.

Fazendo um recorte histórico, as favelas e periferias pobres e paupérrimas do Brasil são resquícios, herança, de um sistema escravocrata que, após a “abolição”, deixou um contingente de milhares de negros e mestiços que, sem trabalho ou instrução formal, começaram a ocupar esses espaços.

Estimativa do IBGE, de 2019, mostra que havia 5.127.747 de domicílios ocupados em 13.151 aglomerados subnormais no país. 

Essas comunidades estavam localizadas em 734 municípios, em todos os estados do país, incluindo o Distrito Federal. Dá orgulho ver uma atleta brasileira se dando bem e nos representando, mas é importante também entender o contexto e desconfiar de narrativas romantizadas que falam de superação e pobreza.

Favelas, periferias e afins, muito mais do que um problema urbanístico, são um problema social excludente e estamos longe de resolvê-lo.

Seguir com o baile é fechar os olhos para essa realidade.

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