Atividade perigosa

Editorial 

Vivemos um momento para o qual não estávamos preparados. A covid-19 está aí e médicos e enfermeiros são necessários como nunca antes nos últimos 50 anos. Estão colocando suas vidas em risco para salvar outras. E se de repente alguém picha um muro com os dizeres “colabore com a limpeza do Brasil, matando um médico e um enfermeiro todo dia”? Em quanto tempo estariam todos mortos e, consequentemente, todos nós? Sim, porque dependemos deles em alguns momentos de nossas vidas e, atualmente, mais do que nunca. E se ainda pichassem “colabore com a limpeza do Brasil, matando um advogado todo dia"?

Alguém poderia até pensar: “que morram todos, eu não preciso de advogado!”. Bom, pode não precisar, mas a advocacia livre é parte da democracia. Poder processar o próprio Estado,  sem ser perseguido, é sinônimo  de democracia e, mesmo que não precise de um advogado, pode dormir tranquilo sabendo que, se precisar, o seu defensor terá liberdade de atuação. 

E jornalista? Sim, jornalistas! A sociedade precisa deles ou não? A razão da pergunta é devido a ações chocantes ocorridas recentemente no Brasil, e isso logo depois do 3 de maio, dia em que se celebra o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, cujo tema neste ano é “Jornalismo Sem Medo e Favor”.

Pois bem, o empresário e ex-senador da República Roberto Cavalcanti, numa atitude antidemocrática, sugeriu que jornalistas e radialistas sejam "apedrejados" diante da divulgação de mortes causadas pelo novo coronavírus no Brasil, e  em Belo Horizonte, perto de uma barraca de triagem de pessoas suspeitas de contaminação, havia uma pichação com os seguintes dizeres: “Colabore com a limpeza do Brasil matando um jornalista todo dia”. 

Em  2019, 49 jornalistas foram mortos em todo o mundo, sendo que o Brasil ocupou um horroroso quarto lugar nesse ranking deste profissional no exercício da profissão. Em primeiro lugar, o México, segundo o Afeganistão, e terceiro o Paquistão. A América Latina é o continente que mais mata profissionais de mídia. Balanço anual de violências graves cometidas contra jornalistas aponta ainda que 389 estão presos por desempenharem suas funções e 57 são reféns. De acordo com a Organização Não Governamental (ONG) “Repórteres Sem Fronteira”, o jornalismo continua sendo uma atividade perigosa. Os jornalistas vão aonde ninguém ousa ir.

Cobrem guerras sem treinamento de um soldado. Com coragem, investigam e denunciam poderosos, seja lá de qual natureza for: ditadores, políticos, milícias, traficantes de drogas, de pessoas. A lista de desafetos é imensa.

Vale lembrar  que os jornalistas chineses Chen Qiushi e Fan Bing que revelaram ao mundo, em vídeo, o caos e as mortes causadas pela covid-19 em Wuhan, berço da doença,  estão desaparecidos desde o início de fevereiro deste ano. Não se sabe deles após a polícia levá-los para uma “quarentena obrigatória”.

As chances de serem encontrados com vida são ínfimas. Eles sabiam que possivelmente pagariam com a vida ou no mínimo 15 anos de prisão, de acordo com a legislação chinesa, pois seriam acusados de “comprar brigas e causar problemas” e ainda seriam condenados a pagar uma multa em valor equivalente a R$ 5 milhões cada um. Mesmo cientes disso, não se calaram e despertaram o mundo.

Com sua atitude e desprendimento, os jornalistas estão garantindo a democracia e dando a própria vida para que mais vidas sejam salvas, inclusive daqueles que lhes desejam a morte. Então não precisa despertar a ira. Ela já existe!

 “Liberdade de expressão é um dos nossos direitos mais preciosos. Sustenta toda a liberdade aos outros e fornece uma base para a dignidade humana.” Simples assim. 

 

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