Ah, os padrões

Está em Gênesis, 2:23, “Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada mulher, porque do homem foi tirada”. Esta passagem marca a criação de Eva, parceira de Adão, a primeira mulher a pisar na Terra. Como tudo nesta vida é questão de interpretação, muitas pessoas interpretaram que por ter sido (supostamente) criada da costela de Adão, Eva deveria ser submissa a ele. E, ao que tudo indica, este pensamento se perpetuou durante anos e anos, e se enraizou na humanidade. Assim tem sido feito.

Apesar dos grandes passos dados, de a mulher ter saído de casa, ter ido para o mercado de trabalho, tido o direito ao voto, de escolher se quer ou não ter filhos, a verdade é que muitos outros passos ainda precisam ser dados. Milênios se passaram desde a suposta criação de Eva, que saiu da costela de Adão, e a personificação da mulher perfeita ainda é exigida pela sociedade e, claro, pelo mercado da beleza.

Milênios se passaram e o estereótipo da esposa perfeita, mãe perfeita, do corpo perfeito, cabelo perfeito, da pele perfeita continua sendo exigido. O resultado de tudo isso: mulheres que se cobram cada dia mais, adoecem cada dia mais em busca de um padrão inalcançável e milhares de mulheres frustradas. Por mais que pareça, igualdade de gêneros e padrões determinados pela sociedade não começaram a ser discutidos agora. Pedro Lombardo, que se tornou bispo de Paris em 1159, por exemplo, escreveu um ou dois anos antes, em seu famoso sumário da doutrina cristã, intitulado “O Livro das Sentenças”: “Eva não foi tirada dos pés de Adão para que fosse sua escrava, nem da cabeça para que governasse sobre ele. Deus tirou-a de seu lado para que ela fosse sua parceira”.

Por mais que a sociedade (a mesma que criou esses padrões que devem ser seguidos) se recuse a admitir a existência do assunto e que ele deve ser debatido, a polêmica está feita e nos faz repensar o estilo de vida que obrigamos as mulheres a adotarem, em prol do que e de quem? Quando uma mulher decide que não quer ter filhos, que não vai mais alisar os seus cabelos, que vai ser feliz com as suas gordurinhas, o que ela mais vê são os narizes tortos pelas ruas. Quando uma mulher decide ser feliz e desiste de alcançar este padrão imposto pela sociedade, ela paga um preço muito alto por suas escolhas. Quando uma mulher decide não ser a Eva de Adão, mas ser a dona do seu próprio destino, ela desagrada, e desagrada muito.

Porém, até chegar a este ponto, esta mulher tem de superar todos os seus medos e se preparar para pagar um preço alto por pertencer a si mesma. Por mais que o assunto tenha começado a ser discutido lá atrás, em 1159, ele precisa de mais debate e as mulheres precisam de mais amor, de mais empatia e de menos padrões, porque a vida passa um dia, e o que sobra são apenas rugas e histórias para contar. É preciso ajudar, é preciso quebrar padrões, é preciso falar, elogiar, aumentar a autoestima, para que a busca pela Eva de Adão, pela mulher perfeita pare, e para que mais mulheres não morram em mesas de cirurgias em busca do corpo perfeito.

 

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