Aguardando por transferência, idosa com covid sofre na UPA

Família ganhou na Justiça o direito da mudança sob alegação de condições inadequadas, mas Prefeitura não acatou

Bruno Bueno

A pandemia de covid-19 evidencia o sofrimento de muitas famílias divinopolitanas, que agonizam diariamente vendo seus parentes lutarem contra a doença, seja em hospitais públicos ou particulares. Semelhante a esta situação, o Agora teve acesso, ontem à tarde, à denúncia de uma batalha judicial envolvendo a família de uma mulher ‒ que está hospitalizada com a doença em estado grave ‒ contra o Município de Divinópolis.

Segundo informações obtidas com exclusividade pela reportagem, o Executivo se negou a cumprir uma ordem judicial da Comarca de Divinópolis, que solicita, com urgência, a transferência da mulher, internada no hospital de campanha da UPA Padre Roberto, para um centro de saúde mais completo. Conforme alegação dos familiares da cozinheira, de 60 anos, ela está em estado grave e a unidade de saúde não fornece os cuidados necessários que a paciente precisa.

Entenda o caso

A mulher, que é hipertensa e possui colesterol alto, foi internada no hospital de campanha no último dia 4, após testar positivo para a doença dois dias antes. Com o estado grave, o médico responsável pelo caso atestou, por meio de requerimento próprio para demandas judiciais, que o atendimento na UPA não atende as necessidades da paciente. 

— A paciente está internada na terapia intensiva do hospital de campanha, onde a disponibilidade de bombas de infusão contínua, monitores e medicamentos como os sedativos podem faltar — diz o documento.

Vale ressaltar que os medicamentos que estão em falta no hospital são essenciais para a manutenção da vida de pacientes que estão na UTI, principalmente no atendimento de pessoas com dificuldade respiratória, alega o pedido.

Processo

Não conseguindo o deslocamento da mulher por conta própria, os familiares procuraram meios judiciais para realizar a mudança. O processo, que foi aberto no último dia 5 e continua em trâmite, baseia-se no requerimento feito pelo médico, visto que um pedido de transferência de paciente, por meio do Poder Judiciário, só pode ser feito com documento próprio.

 — A requerente necessita com urgência de internação em ambiente hospitalar seguro para os procedimentos que podem salvar a sua vida. Seu estado é de extrema gravidade e requer imediata internação hospitalar na ala covid. A medida judicial visa proteger o direito do usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), que prevê a assistência médico-hospitalar e auxiliares de diagnóstico e terapia, sendo a saúde de relevância pública e de responsabilidade do Estado — afirmou o advogado no processo.

Enxergando a gravidade da situação, a Justiça concedeu, no mesmo dia do pedido, a liminar que determinou a transferência imediata da paciente para um hospital com mais recursos de atendimento, neste caso, o São João de Deus.

— Diante do exposto, defiro a antecipação da tutela de urgência pretendida para determinar que os requeridos providenciem a imediata transferência da requerente para UTI de unidade hospitalar com ala para tratamento de covid-19, que tenha equipamentos e com medicamentos indispensáveis ao combate da mencionada doença, considerando o atual estado da autora, retratado no documento médico apresentado — confirma a decisão.

Intimação

Ainda conforme o processo, a Prefeitura recebeu a intimação da transferência urgente dois dias depois, porém, não realizou o deslocamento. A defesa voltou a cobrar do Poder Judiciário face ao descumprimento, afirmando que o quadro da mulher havia piorado consideravelmente, tendo a necessidade de realizar uma intubação para auxiliar na respiração.

— Seja determinado aos requeridos para que providenciem a imediata transferência da requerente para UTI de unidade hospitalar com ala para tratamento de covid-19, que tenha equipamentos e com medicamentos indispensáveis ao combate da referida doença, em prazo não superior a 24 horas, tendo como pena multa diária, estabelecida até o limite que juízo entender razoável; bloqueando verbas de contas do Estado e Município — solicitou o juiz da causa.

A Justiça voltou a intimar o município no dia 9.

Negou

Com a nova intimação, a Prefeitura, por meio de sua Procuradoria, negou a transferência da mulher, afirmando que já havia cumprido a liminar proposta pela Justiça, visto que, na concepção do Executivo, o hospital de campanha da UPA Padre Roberto tem todas as condições de atender a paciente.

— Conforme informações anexas, a liminar já foi prontamente atendida, pois a paciente deu entrada na UPA em 3 de maio, às 6h04, sendo transferida para UTI do hospital campanha, referência em tratamento da covid-19, naquele mesmo dia, às 11h42. Importante ressaltar que o hospital de campanha é uma unidade hospitalar com UTI e todos os recursos necessários ao tratamento da doença, se localizando ao lado da UPA, dentro do mesmo lote de terreno, o que pode ter levado a defesa, com todo respeito, atribuir uma falta de assistência que não está acontecendo — argumentou.

A defesa voltou a procurar a Justiça no último dia 13, após a resposta da Prefeitura, afirmando que o Executivo não estaria fornecendo dados atualizados sobre o estado de saúde da mulher.

— Cumpre esclarecer que os requeridos se negam a fornecer aos familiares da requerente qualquer novo laudo ou prontuário da paciente, se limitando a informar através de contato telefônico que “ela se encontra em estado grave e crítico”. Assim sendo, requer a Vossa Excelência que seja determinado que o Município de Divinópolis forneça todos os documentos referentes ao estado clínico da requerente, atualizados, em caráter de extrema urgência — diz a nova determinação da Justiça.

Estado médico

A defesa da paciente apresentou novo pedido de transferência na última segunda, 19. Nela, uma gravação de uma conversa telefônica é transcrita. O diálogo entre uma parente da mulher, que será nomeada como C, e a médica mostra a gravidade da situação da mulher, que continua lutando pela vida.

  • C: Deixa eu te perguntar outra coisa: a possibilidade dela vir a óbito é muito grande? 
  • Médica: É muito grande. (...) Do ponto de vista pulmonar ela nunca teve uma melhora sustentada, ela tem pequenas melhoras ao longo do dia e piora de novo a noite, entendeu? Parece que vai melhorar e depois piora de novo, ela responde parcialmente. O raio X mostra um pulmão muito tomado, com pouca carisma saudável. Está com um acometimento muito extenso do pulmão.

Com o recebimento da conversa, a Justiça determinou que fossem apresentados orçamentos pela parte autora, no caso, a idosa. A família, juntamente com os advogados, entrou em contato com todos os hospitais, que informaram que não fornecer orçamentos.

Prefeitura

A reportagem perguntou à Prefeitura sobre uma possível transferência da paciente. 

— A advogada da paciente pediu a transferência para um hospital com CTI covid, mas isso não faz sentido, porque ela não está na UPA, e sim no hospital de campanha. A judicialização está com a subprocuradora e ela já entrou com o agravo respondendo esta solicitação. A procuradora já explicou que ela está dentro do CTI covid. Então, não foi deixado de cumprir a solicitação. No momento, ela não tem indicação para ir para outra instituição — explicou

O processo ainda corre na Justiça. Enquanto isso, a idosa, segundo os familiares e a defesa, agoniza no hospital de campanha à espera de uma transferência.

 






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