Acima de tudo

O Brasil mal superou a tragédia de Brumadinho e foi obrigado a engolir outra. Dez jovens perderam a vida, e mais uma vez por causa da ganância do homem. Dez jovens entre 14 e 16 anos não voltarão para suas famílias, não se tornarão jogadores profissionais como queriam, não se formarão no ensino médio, não terão filhos, não irão mais sorrir, por causa da ganância do homem. Mais uma vez, vidas foram devastadas, famílias foram destruídas e condenadas a conviver com a dor, com a angústia e o desespero, em prol de que? Em prol de quem? Apenas 15 dias depois do rompimento da barragem da Vale, em Córrego do Feijão, e três anos após o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, o Brasil viveu outro luto devastador. Desta vez, o causador da dor não foi a lama, foi o fogo, mas ambos ligados diretamente a este sistema que “troca vidas por diamantes”.

Os sobreviventes de Mariana ainda convivem com doenças de pele e respiratórias causadas pelo rejeito da barragem. Pouco mais de 15 dias da tragédia de Brumadinho, as vítimas ainda se perguntam se é verdade tudo o que aconteceu. O número de mortes na pequena cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte não para de subir. Já são 165 mortos e 160 continuam desaparecidos (números de ontem). Em outras palavras, 160 famílias continuam na esperança de dar um enterro digno aos seus entes queridos. E a todos esses números somam-se hoje, dez famílias, que nunca mais ouvirão a voz de seus filhos, que saíram de casa cedo em busca de uma vida melhor.

A todos esses números, somam-se mais dez famílias que nunca mais poderão dizer “boa noite”, “bom dia”, ou “como foi o treino hoje?”. Famílias essas que hoje são apenas estatísticas. Famílias, que assim como as famílias atingidas pela Samarco e pela Vale, fazem apenas parte de planilhas: planilhas das mineradoras, planilhas do governo. Este que não importa por quem é comandado, sempre irá para o lado dos poderosos e o necessitados que se danem.

Quem mais necessita precisa sair de casa cedo, ir morar em outro estado, em outra cidade, em busca de um único sonho: dar à família uma vida digna. Dignidade esta que é tirada todos os dias dos brasileiros, nas malas com milhões encontrados em apartamentos, em aeroportos e em transações suspeitas de assessores de políticos. E hoje, mais uma vez, este espaço é ocupado para falar de tragédias, que estão ligadas diretamente à corrupção, à ganância do homem. O mais triste disso tudo é saber que esta não será a última vez, que estas linhas trarão palavras de revolta, de descaso.

O Ninho do Urubu já havia sido multado 30 vezes pelo alojamento onde os meninos morreram. A Vale tinha uma licença ambiental que a autorizava a usar explosivos e veículos pesados, mesmo colocando em risco a estabilidade da barragem. A licença contrariava o laudo de estabilidade da empresa alemã TrüvSüd emitido cinco meses antes do licenciamento. Mas, tudo isso, hoje, só serve para mostrar a cumplicidade com que o povo brasileiro é tratado. Tudo isso só serve para mostrar que, como disse a charge do Duke de ontem, é “lucro acima de tudo, e fogo e lama acima de todos”!

 

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