A peste duplicada

Raimundo Bechelaine

Esta republiqueta de bananas que o Brasil se tornou, com exceção de breves períodos, a partir de 1889, passa por mais uma provação. Aliás, duas provações, duas pestes que se entrelaçam. É difícil dizer qual é a mais evidente. 

Uma delas é a peste mundial do novo coronavírus. A outra se arrasta desde 1º de janeiro do ano passado, quando tomou posse o atual governo. Aí misturam-se o despreparo total, a bufonaria do pior mau gosto, a corrupção mais torpe, a inexistência de coordenação ou chefia, enfim, a ausência de um projeto ou planejamento de governo. Daí que o consequente vírus da insegurança se dissemina. 

Não se sabe quem governa nem se governa. Ora são os arroubos e movimentações da chamada “familícia”. Ora são os generais de opereta que ocupam vários postos. Ora são os autoproclamados pastores das seitas “evangélicas”. Ora são os interesses e pressões do poder econômico e do latifúndio, eufemisticamente apelidado de agronegócio. Ora são loucos travestidos de ideólogos.

Há poucos dias, escrevia o jornalista Ricardo Kertzman: “Que o atual presidente da República não possui a mínima estrutura intelectual para o cargo, todos sempre soubemos” (Estado de Minas, 27/03). De fato, disso todas as pessoas informadas “sempre soubemos”. Durante quase trinta anos houve, no Congresso Nacional, um deputado que nada produzia, a não ser macaquices que a todos divertiam.

Semana passada, o “Estado de São Paulo”, respeitado porta-voz da imprensa conservadora, dizia em editorial: “Para os que ainda julgavam que Bolsonaro, ante a gravidade da crise, enfim tomasse consciência de seu papel e passasse a atuar como chefe de Estado, e não como chefe de bando, deve ter ficado claro de vez que o ex-deputado do baixo clero jamais será o estadista de que o País precisa”.

O “Estadão” nem precisava exigir tanto: um estadista. Bastaria pedir um governante razoável, um mínimo de bom senso. Pois eis que a nação atordoada assiste a cenas que comporiam uma comédia bufa, se o momento não fosse trágico. O suposto governante, enciumado, sabota o trabalho dos governadores, dos prefeitos, do seu próprio ministro da Saúde. A este ameaça publicamente.

Não se quer aqui discutir quais são as diretrizes acertadas para a situação. Falta-nos habilitação para tanto. Mas todos somos capazes de entender que um plano de ação deveria ter sido tratado no momento certo. Com a devida antecipação, em reuniões convocadas pelo governante para análise da questão e definição das estratégias. Isso teria acontecido, se líder e governante houvesse. Porém o “Estadão” já nos deu a entender o que temos à frente desta pobre República.  [email protected]

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