A menina do cabelo cor fogo

Rodrigo Dias

 

Numa fria manhã de 13 de maio de 1964 nasceu Gentil. Um serzinho magro, de cabelo fino e ralo, cuja única beleza era um sorriso que ia de orelha a orelha denunciando, desde cedo, a falta de cuidados com os dentes.

A mãe de Gentil era uma mulata que desde os 12 anos, para fugir do coro do pai e da fome, trabalhava em casa de família; ora como arrumadeira, ora como passadeira. Já o pai... Bom, do pai do Gentil não se tem muita informação. Mas tudo indica que deve ser um dos peões que vieram do Ceará para ser braçal em uma grande obra no subúrbio de São Paulo.

Desde pequeno Gentil fora educado pela mãe a tratar todos como senhor ou senhora. Não por questão de respeito, mas como forma de reafirmar a ele mesmo, durante todo o tempo, a sua condição neste mundo de Deus.

Obediente e de vista baixa, Gentil nunca descumpriu os ensinamentos da mãe. Na escola sentava num canto só. De lá olhava a todos.

Uma menina de cabelo cor de fogo e que tinha pintas salpicadas na cara era a que mais chamava a atenção de Gentil. Ele ficava admirado ao vê-la esbravejar com uns moleques maiores que constantemente lhe chamavam de cara de ferrugem.

Margarida, este era seu nome. Filha de paraenses, ela despejava um rosário de palavrões para quem ousasse colocar-lhe um apelido. Já Gentil quase agradecia quando os outros o zombavam, pois nunca era notado.

Dia desses, Gentil ia embora para casa quando, num beco, uns moleques foram ao seu encontro. Passivo, ele permitiu ser hostilizado. Um o chamava de Zé Mané. O outro, de barriga de lombriga e por aí afora. Foi um alvoroço.

Dobrando a esquina, indo em direção de Gentil e dos moleques, caminhava com passos firmes Margarida. Ao escutar os insultos e ao ver os empurrões dados no Gentil, não teve dúvida: usou todo o seu peso e munida de uma capanga de brim, utilizada para carregar os cadernos, deu nos três moleques que fugiram aos gritos: “Olha a namoradinha do barriga de lombriga! É a baleia de cabelo de fogo!”

Disciplinado, Gentil permaneceu de cabeça baixa e não se incomodou de ter sido salvo por uma menina, que só agora percebera que era gorda e que tinha mais que palavrões na boca. Margarida era forte.

Como agradecimento, Gentil ofereceu à sua heroína o que tinha de melhor: um sorriso desconcertado, desdentado e que ia de orelha a orelha. Margarida quis mais e vendo o jeito abobalhado de Gentil, esbravejou: “Vai ser retardado pra lá menino, como você deixa esses moleques fazerem isso com você?”

A palidez típica na cara de Gentil deu lugar a um vermelho forte que lhe aquecia de maneira absurda o rosto. Bem que poderia ser de vergonha, mas a vermelhidão no rosto veio acompanhada de palpitações com o coração quase lhe rompendo o peito. Sim, aos 10 anos de idade, de maneira inesperada, o jovem Gentil conheceu pela primeira vez o amor.

Ele se apresentou num corpo redondo, com madeixas rubras e sardas que marcavam a cara de Margarida.

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