A dama paulista

Inocêncio Nóbrega

Sobejamente conhecido que a Revolução de 1930, vitoriosa contra os conchavos eleitorais, liderados pelos paulistas Washington Luís e Júlio Prestes, tomou forma e impulso após o assassinato do presidente paraibano João Pessoa.  Tampouco não perdoam mais nova derrota, dois anos depois, no enfrentamento às forças fardadas de Getúlio Vargas. Do envolvimento do nome de um nordestino, como disse pivô dessa história, nascia, como que em resposta, o estigmático apelido de “cabeça-chata”, em vingança a esse bravo povo.

“Dama Paulista”, personagem verídica, textualizada por Monteiro Lobato, editada pelo jornal “O Ferreirense”, de 1937. Em resumo, narra o escritor episódio de uma senhora que, nas ruas de S. Paulo, tomou assento num veículo, ao lado de um homem moreno, anguloso, com evidências de nordestino. Visivelmente irritada, reclama ela aquela presença: “nem conheço mais minha terra, onde só se vê disso, “coisas” que o norte manda para cá, para estragarem a cidade. O achatamento de cabeça é marca certa de ruindade. Andam morrendo por lá, quando caem aqui ficam como os donos da casa”.

“Baianada”, os “paraíba”, os “pau de arara”, são termos satirizados, que machucam a tantos compatrícios quanto são seus criadores e seguidores. A não ser razões históricas, acima apontadas. São um falso julgamento. Pessoas de boa ou má índole existem em todas as regiões do país. A estética do rosto não é resultado de código genético, pois o Brasil, afinal, foi colonizado por igual gente portuguesa e africana. O preconceito é levado em conta como medida de beleza na escolha das mulheres em competições desse gênero. A dilatação térmica, ocasionada pelo excessivo calor do norte e nordeste, é um dos fatores que se estuda, como geradores dos traços cranianos achatados. Não ocasiona algum tipo de regressão cerebral, o mesmo se dizendo aos de rostos ovalados.

No comentário de Lobato, a faceta mulher exclama: “Ah, eu é que queria ser governo, para mostrar como se faz! Expulsava-os! É cabeçudo (na expressão mais moderna, lembrada pelo nordestinofóbico Bolsonaro), então, rua! Isto aqui é nosso”. Pronto, o governo demorou, mas chegou, para o prazer da dama paulista. Foi ele quem, há poucos dias, dirigindo-se a seus simpatizantes, num evento, em Fortaleza, censurou: “Se bem que chamar cearense de cabeçudo você não consegue identificar ninguém, lá todo mundo é cabeçudo”. Com efeito, Borges de Medeiros, ídolo, rio-grandense, era filho de um pernambucano; a escritora Raquel de Queiroz e o mártir Tristão Gonçalves, ambos do Ceará, além de muitos expoentes brasileiros, eram cabeçudos, na sua pejorativa imaginação? Merece resposta.

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