A cultura do spoiler

Maria Tereza Oliveira

Desde a popularização da internet os cinéfilos tiveram acesso a incontáveis filmes e séries de todas as partes do mundo ao alcance de um clique. Porém, apesar da facilitação alcançada pela globalização, um inimigo foi fortalecido: o spoiler. Spoiler é quando alguém revela fatos sobre a trama de determinado livro, filme, série ou jogo. O termo faz referência à famosa expressão “estraga prazeres”. Algumas experiências são arruinadas por causa de spoilers e a popularização das informações indesejadas fez com que várias pessoas se denominassem "spoilerfóbicas". Mas até onde vai o limite do spoiler?

Parece sem consenso o conceito de tempo e quais elementos podem ser considerados como spoilers. Por exemplo, há quem ache que, se a obra é baseada em fatos, não é spoiler revelar acontecimentos, já que teoricamente são de conhecimento geral. Mas há quem discorde. Uma série que gerou essa discussão foi "Narcos" principalmente em suas primeiras temporadas, quando a produção narrava a história do narcotraficante colombiano Pablo Escobar.

Outras pessoas acreditam ser aceitável relatar tudo o que é mostrado nos trailers. Por outro lado, essa teoria começa a perder força por causa de uma parcela crescente que tem fugido dos trailers justamente por acharem que a divulgação tem mostrado muito das obras. Um exemplo recente disso foi o trailer de "Batman vs Superman", ao revelar a aparição de um vilão que poderia ser o plot twist (reviravolta) da trama.

Às vezes parece impossível fugir dos spoilers e em alguns casos é mesmo. Isso pode acontecer quando ele está embutido no título da obra. Como o exemplo de "Alien" (1979), que no Brasil ganhou um spoiler como complemento e se tornou "Alien - o 8º passageiro". Outro caso é o filme "Mulholland Drive" (1999), que em seu título original remete ao nome de uma estrada da Califórnia, mas no Brasil virou "Cidade dos sonhos" ‒ outro spoiler.

Data de validade?

Outro questionamento é: até quanto tempo após o lançamento é considerado spoiler? Alguns consideram tranquilo comentar a trama dois meses após o lançamento da obra, alguns fixam em dois anos. Mas não seria uma lástima contar o plot twist de "Clube da Luta" (1999) para alguém que nunca o viu? Ou o de "Psicose" (1961)? "Cidadão Kane" (1941)? "Oldboy" (2005)? Todos esses filmes têm mais de uma década e continuam dependendo de um público não informado sobre a trama para funcionar.

Há quem diga que o "entretenimento não espera ninguém", portanto, dois meses é o período de tolerância para o spoiler. Mas será que essas pessoas se dão conta de que a cultura no Brasil não é acessível? Mesmo um filme lançado há 80 anos pode ser uma descoberta, algo novo para alguém a cada dia. Portanto, é necessário ter consciência ao comentar sobre alguma obra com alguém que nunca a assistiu.

É para tanto?

É de se levar em consideração que algumas informações precisam ser reveladas pela trama, não por terceiros. Se uma revelação é impactante para a narrativa, o mais respeitoso é não espalhar para não estragar a experiência das outras pessoas. Mas isso não significa que tudo é nocivo. Lembro que na minha infância assistia "Dragon Ball Z". Tanto as promos quanto os títulos dos episódios eram um festival de spoilers e isso não estragava a experiência. Eram comuns episódios revelando a morte de um personagem importante, ou após um capítulo de luta que até então parecia equilibrada, o episódio seguinte revelar no nome quem foi derrotado ‒ Goku x Freeza que o diga.

Mas o que parece é que quanto mais o público se preocupa com algum spoiler, mais ele se populariza. É possível notar esses comportamentos de forma mais acentuada ‒ tanto de quem gosta de espalhar quanto de quem foge deles ‒ quando se tratam de fenômenos, como no caso de um filme muito esperado ou a temporada final de uma série.

Goste ou não, a cultura do spoiler já faz parte da sociedade. É praticamente impossível encontrar uma pessoa que nunca tenha recebido algum. Mas o spoiler se torna um problema quando a informação previamente revelada tira o impacto do acontecimento em tela. Saber diferenciar isso é ter bom senso, tanto para não ser um estraga prazeres quanto para não se tornar um reclamão que vê spoiler em qualquer informação, por mais trivial que seja.

Maria Tereza Oliveira é jornalista e editora-chefe do site cebolaverde.com.br

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