A anatomia da crise

Carlos Brickmann

Bolsonaro não tem nada contra Rodrigo Maia, Alcolumbre ou Celso de Mello. Nada tinha contra Moro ou Valeixo. Bolsonaro pensa em reeleição, mas não é por isso que busca brigar com o Supremo, o Congresso e os governadores que querem disputar a Presidência com ele; nem é o que o leva a reunir sua torcida em passeios de carro para apoiá-lo. Bolsonaro cismou que a hidroxicloroquina é o máximo, mas não é isso que o leva a querer crise. Pandemia, mortos? E daí? Como ele disse, um dia nós todos morreremos.

O problema de Bolsonaro é proteger os filhos. Se, com ele presidente, os filhos já estão sitiados, imagine se deixar a Presidência. Este colunista acredita que, se fosse possível garantir-lhe um indulto à família, ele deixaria de lado a aversão à China, a luta contra o comunismo, o amor à hidroxicloroquina, a reverência a Trump e abandonaria a vida pública, voltando a ser um cidadão comum, daqueles que tomam cuidado com o radar em vez de brigar com ele e jamais sonharam com o filme Pequim contra 000.

Dos três zeros à esquerda, o filho 01 luta há quase dois anos para se livrar de investigações sobre a rachadinha – a parte do salário que seus funcionários de gabinete devolviam ao amigo Queiroz; e seu suplente garante que ele disse ter recebido informações sigilosas da Polícia Federal (PF). Os filhos 02 e 03 podem ser envolvidos no inquérito das notícias falsas. E o filho 02 chega a ser apontado como criador e comandante do Gabinete do Ódio.

Opinião pública – Datafolha

Bolsonaro está em baixa: pelo Datafolha, 43% consideram seu governo ruim ou péssimo, contra 33% que o acham bom ou ótimo. Os números favoráveis não variaram. Mas os desfavoráveis cresceram cinco pontos de um mês para cá. A maioria absoluta, 52%, três pontos acima da última pesquisa, acha que o presidente perdeu as condições de dirigir nosso país. O número dos que acham que tem condições, sim, se mantém estável em 45%.

Opinião pública – Atlas

Números do Instituto Atlas: 22,5% aprovam o Governo Bolsonaro; 58,1% o desaprovam. O desempenho pessoal do presidente é aprovado por 32,9% e desaprovado por 65,1%. Sobre a pandemia, 24,3% se preocupam mais com o impacto econômico, como Bolsonaro; e 68,1% com as mortes. Distanciamento social? A favor, 72,1%; e, acompanhando o presidente, 24% contra. A ditadura (muito citada por Eduardo Bolsonaro, que fala em Ato 5) é rejeitada por 83,1% e aprovada por 8,9%. Imagem pública: Bolsonaro está em quarto lugar (32%), atrás dos ex-ministros Mandetta (52%), Moro (42%) e do ministro Paulo Guedes (38%); um pouco à frente de Lula, 28%, e de João Doria, 27%. Bolsonaro tem a maior rejeição, 64%, seguido por Dória (54%), Lula (52%), Guedes (44%), Moro (43%) e Mandetta, 29%. O mundo gira: hoje, Mandetta seria um candidato presidencial mais forte que Moro.

E 53,9% querem Lula preso, contra 29,1% que o querem solto.

Fechando as contas

Conforme a pesquisa Atlas, 58% aprovam o impeachment do presidente; 36% são contra.

Balanço geral

Mais da metade dos eleitores optou por Bolsonaro há menos de dois anos. Hoje, seu apoio oscila na casa dos trinta, trinta e poucos por cento. É para este grupo que Bolsonaro fala: precisa mantê-lo unido, porque é o grupo que o mantém no poder. E radicaliza ao máximo: quer levar os outros Poderes e os investigadores a reduzir ou retardar as ações contra ele, ou partir para o tudo ou nada, sabendo que ficar parado é aguardar o desastre – no caso, as investigações sobre seus filhos. Por isso ele se arrisca. E arrisca todo o país.

Sem esmorecer

Um personagem-chave na luta de Bolsonaro para manter-se no poder é o procurador-geral Augusto Aras. Nos últimos dias, o presidente acenou a Aras com a possível nomeação para o Supremo, numa eventual terceira vaga (duas ocorrem nos próximos meses, com a aposentadoria compulsória dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio; uma terceira se algum outro ministro se aposentar ou vier a falecer). E condecorou Aras com a Medalha do Mérito Naval (no mesmo decreto, concedeu a condecoração também ao ministro da Educação, Abraham Weintraub).

Por que numa terceira vaga? O presidente já disse que quer nomear um ministro “terrivelmente cristão”, no caso um evangélico – talvez o atual ministro da Justiça, André Mendonça, evangélico praticante, que declarou considerar Bolsonaro “um profeta”. Mas sobra uma vaga: por que não para Aras? Deve imaginar, suponho, que Aras, querendo garantir a cadeira, não vai querer bater de frente com ele.

Mortes, doença? E daí?

Informação de O Globo, com base em documentos oficiais: o Ministério da Saúde tem R$ 34,4 bilhões disponíveis para ações de combate direto à pandemia. Até o dia 28, tinha gasto R$ 8,1 bilhões, ou 23,6% do total.

 

Carlos Brickmann é o editor responsável pelo site Chumbo Gordo 

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