300 anos de Minas: MPMG resgata a vida e a obra da mineira Adélia Prado para celebrar o Dia Nacional do Livro

Da Redação

Mineira de Divinópolis, Adélia Prado é a escritora homenageada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) no Dia Nacional do Livro, celebrado hoje, 29 de outubro. Essa homenagem também faz parte de um dos projetos do MPMG para comemorar os 300 anos de Minas, cujo objetivo é resgatar, nas redes sociais, a história do Estado a partir da literatura.

Para isso, desde julho, a instituição está compartilhando, em seu perfil do Instagram e do Facebook, informações sobre o pensamento, a obra e a vida de autores mineiros ou que tenham alguma ligação com Minas. Uma obra de cada autor também está sendo sorteada entre os seguidores do MPMG no Instagram. 

Já passaram por aqui Chico Lins, Guimarães Rosa, Conceição Evaristo, Madu Costa, Lúcia Machado de Almeida, Ricardo Aleixo, Henriqueta Lisboa, Henfil e Marcelo Xavier.

Entre os escritores que ainda serão homenageados estão Carolina Maria de Jesus, Adão Ventura e Carlos Drummond de Andrade.

O projeto é uma extensão do Trocando Letras, que possibilita a troca de livros, internamente, entre integrantes do MPMG.     

Confira abaixo a biografia e a obra de Adélia Prado. 

Adélia

A mineira Adélia Luzia Prado Freitas, mais conhecida como Adélia Prado, nasceu em Divinópolis, em 13 de dezembro de 1935. Adélia é poeta, romancista, contista e autora de histórias infantis. Foi lá naquela pacata cidade do interior de Minas Gerais que escreveu seus primeiros versos. 

Filha do ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa, passou sua infância e adolescência frequentando as escolas da cidade de Divinópolis, na região oeste do estado. No ano de 1950, morre a mãe da escritora, mesma época em que ela encerra seus estudos no ginásio e inicia a escrita de seus primeiros versos. 

Em 1953, conclui o curso de Magistério na Escola Normal Mário Casassanta e, em 1955, começa a lecionar no Ginásio Estadual Luiz de Mello Viana Sobrinho.

Ainda em Divinópolis, em 1958, casa-se com José Assunção de Freitas, com quem teve cinco filhos: Eugênio (1959), Rubem (1961), Sarah (1962), Jordano (1963) e Ana Beatriz (1966). Antes do nascimento de Ana Beatriz, Adélia inicia o curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis, formando-se em 1973, um ano depois da morte de seu pai.

Ainda no ano de 1973, a escritora envia carta e originais de seus poemas ao poeta e crítico literário Affonso Romano de Sant'Anna. Ele os submete à apreciação de Carlos Drummond de Andrade, que teve uma participação importantíssima na carreira da escritora. O poeta itabirano não foi só material de inspiração poética para Adélia, como também a ajudou nos primeiros tempos de sua carreira, indicando o seu livro ao editor Pedro Paulo de Sena Madureira, da Editora Imago, que veio a publicá-la.

Bagagem, sua obra de estreia, é lançado no Rio, em 1976, com presenças ilustres como Antônio Houaiss, Raquel Jardim, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Juscelino Kubitscheck, Affonso Romano de Sant'Anna, Nélida Piñon e Alphonsus de Guimaraens Filho.

"Bagagem, meu primeiro livro, foi feito num entusiasmo de fundação e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento. Descobri ainda que a experiência poética é sempre religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um texto sagrado, de um olhar amoroso sobre você, ou de observar formigas trabalhando."

Em 1978, lança O coração disparado, agraciado com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro. No ano seguinte, estreia em prosa com Soltem os cachorros. Com o seu sucesso na qualidade de escritora, vê-se obrigada a abandonar o magistério, após 24 anos de trabalho. Sua peça O Clarão, um auto de natal escrito em parceria com Lázaro Barreto, é encenada em Divinópolis.

Entre 1980 e 1981, publica Cacos para um vitral Terra de Santa Cruz. Já em 1984, lança Os componentes da bandaA faca no peito é publicado em 1988 e Poesia Reunida, em 1991. No ano de 1994, após um longo período de silêncio poético, ressurge Adélia Prado com o livro O homem da mão seca. Esta obra, iniciada em 1987, veio depois de um momento difícil enfrentado pela escritora, uma crise de depressão, que, depois da escrita do primeiro capítulo, a bloquearia literariamente por longo tempo. 

Em 1996, são lançados Manuscritos de Felipa e Oráculos de maio. Parece que não foi só na arte da literatura que Adélia tornou-se querida e admirada. Também no teatro muitas de suas obras foram adaptadas. A escritora também dirigiu o grupo teatral amador Cara e Coragem na montagem de O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna.

Nas criações de Adélia, é possível notarmos a presença constante de suas referências religiosas. Deus é personagem principal em sua obra. Não apenas Ele, mas a fé católica, a reza, a lida cristã.

"Tenho confissão de fé católica. Minha experiência de fé carrega e inclui esta marca. Qual a importância da religião? Dá sentido à minha vida, costura minha experiência, me dá horizonte. Acredito que personagens são álter egos, está neles a digital do autor. Mas, enquanto literatura, devem ser todos melhores que o criador para que o livro se justifique a ponto de ser lido pelo seu autor como um livro de outro. Autobiografias das boas são excelentes ficções.”

Adélia costuma dizer que o cotidiano é a própria condição da literatura. Morando na pequena Divinópolis, cidade com aproximadamente 200 mil habitantes, estão em sua prosa e em sua poesia temas recorrentes da vida de província, a moça que arruma a cozinha, a missa, um certo cheiro do mato, vizinhos, a gente de lá.

"Alguns personagens de poemas são vazados de pessoas da minha cidade, mas espero estejam transvazados no poema, nimbados de realidade. É pretensioso? Mas a poesia não é a revelação do real? Eu só tenho o cotidiano e meu sentimento dele. Não sei de alguém que tenha mais. O cotidiano em Divinópolis é igual ao de Hong-Kong, só que vivido em português."

Sua obra tem grande importância para a literatura nacional e também foi traduzida em vários idiomas.

Adélia, que atualmente vive em sua cidade natal com a família, é mulher desdobrável. Ela é.

 

Com licença poética
 
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.

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